14/01/2010

MAIS INFORMAÇÕES : Pesquisadores da Unicamp no Haiti

Estamos abandonados

13 1 Janeiro

A noite de ontem foi a coisa mais extraordinária de minha vida. Deitado do lado de fora da casa onde estamos hospedados, ao som das cantorias religiosas que tomaram lugar nas ruas ao redor e banhado por um estrelado e maravilhoso céu caribenho, imagens iam e vinham. No entanto, não escrevo este pequeno texto para alimentar a avidez sádica de um mundo já farto de imagens de sofrimento.

O que presenciamos ontem no Haiti foi muito mais do que um forte terremoto. Foi a destruição do centro de um país sempre renegado pelo mundo. Foi o resultado de intervenções, massacres e ocupações que sempre tentaram calar a primeira república negra do mundo. Os haitianos pagam diariamente por esta ousadia.

O que o Brasil e a ONU fizeram em seis anos de ocupação no Haiti? As casas feitas de areia, a falta de hospitais, a falta de escolas, o lixo. Alguns desses problemas foram resolvidos com a presença de milhares de militares de todo mundo?

A ONU gasta  meio bilhão de dólares por ano para fazer do Haiti um teste de guerra. Ontem pela manhã estivemos no BRABATT, o principal Batalhão Brasileiro da Minustah. Quando questionado sobre o interesse militar brasileiro na ocupação haitiana, Coronel Bernardes não titubeou: o Haiti, sem dúvida, serve de laboratório (exatamente, laboratório) para os militares brasileiros conterem as rebeliões nas favelas cariocas. Infelizmente isto é o melhor que podemos fazer a este país.

Hoje, dia 13 de janeiro, o povo haitiano está se perguntando mais do que nunca: onde está a Minustah quando precisamos dela?

Posso responder a esta pergunta: a Minustah está removendo os escombros dos hotéis de luxo onde se hospedavam ricos hóspedes estrangeiros.

Longe de mim ser contra qualquer medida nesse sentido, mesmo porque, por sermos estrangeiros e brancos, também poderíamos necessitar de qualquer apoio que pudesse vir da Minustah.

A realidade, no entanto, já nos mostra o desfecho dessa tragédia – o povo haitiano será o último a ser atendido, e se possível. O que vimos pela cidade hoje e o que ouvimos dos haitianos é: estamos abandonados.

A polícia haitiana, frágil e pequena, já está cumprindo muito bem seu papel – resguardar supermercados destruídos de uma população pobre e faminta. Como de praxe, colocando a propriedade na frente da humanidade.

Me incomoda a ânsia por tragédias da mídia brasileira e internacional. Acho louvável a postura de nossa fotógrafa de não sair às ruas de Porto Príncipe para fotografar coisas destruídas e pessoas mortas. Acredito que nenhum de nós gostaria de compartilhar, um pouco que seja, o que passamos ontem.

Infelizmente precisamos de mais uma calamidade para notarmos a existência do Haiti. Para nós, que estamos aqui, a ligação com esse povo e esse país será agora ainda mais difícil de ser quebrada.

Espero que todos os que estão acompanhando o desenrolar desta tragédia também se atentem, antes tarde do que nunca, para este pequeno povo nesta pequena metade de ilha que deu a luz a uma criatividade, uma vontade de viver e uma luta tão invejáveis.

Otávio Calegari Jorge

Porto Príncipe após o terremoto

13  Janeiro

O grupo estava dividido em dois. Uma parte tinha ido à Universidade do Estado, entrevistar um professor, a outra ficou na La Pleiade, a maior livraria de Porto Príncipe. Eu estava na livraria. De repente, foi como se uma onda passasse pelos nossos pés e tudo começou a tremer. Corremos pro meio da rua e durante mais ou menos um minuto entre gritos e coisas caindo, ficamos perto um do outro.

As pessoas começaram a levantar os braços gritando “Jesus” e “Bon Dieu”, um posto de gasolina explodiu na quadra ao lado e feridos apareciam aos montes, dentro e fora dos escombros. Caminhamos em direção à casa do Viva Rio, onde estamos hospedados. Somos cerca de 15 brasileiros na casa.

Assim, Porto Príncipe veio abaixo. A ajuda internacional fazia a propaganda de um país que caminhava para a estabilização e de uma força militar da ONU, chefiada pelo Brasil, bem sucedida e preparada para possíveis adversidades. O terremoto e os rumores que começam a chegar na casa do Viva Rio no centro, Kay Nou, passam a impressão de que a cidade está abandonada. As tropas da ONU não saíram às ruas por enquanto para atender a população haitiana, possivelmente por se concentrarem no auxílio aos seus pares. Ouvimos notícias de saques, e escutamos tiros. A sensação é de que talvez as coisas piorem. Já falamos com o exército e estamos tentando entrar em contato com a embaixada.

Provavelmente saíremos daqui em algum tipo de evacuação. Mas o que vai ficar para os haitianos é a grande questão…

Ontem dormimos no jardim da casa ao som dos cantos de pessoas que velavam seus parentes e vizinhos.

Rodrigo

fonte:  Pesquisadores da Unicamp no Haiti

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