10/10/2008

O ATAQUE FOI CONTRA DEUS


O presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, procurou transformar o ataque de 11 de setembro numa guerra do bem contra o mal. Parafraseou, inclusive, uma expressão de Jesus Cristo: “Quem não estiver conosco, estará contra nós”. Dan Rather, âncora de uma das mais expressivas redes de televisão americanas, chorou em um show de entrevistas. Com a voz embargada, afirmou que os terroristas atacaram Nova York, porque tinham inveja da riqueza americana. Osama bin Laden incluiu o sofrimento dos palestinos e a presença americana no solo sagrado da Arábia Saudita como justificativa para o ódio que levou seu bando a matar gente inocente na cidade mais cosmopolitana do mundo.
Naquela manhã fatídica eu estava ligado na CNN. Permaneci imóvel diante das torres do World Trade Center se esfumaçando. Vi as primeiras imagens do Pentágono, o centro da mais imponente máquina militar do planeta, ardendo sob o impacto de um avião que se espatifara contra suas paredes até então consideradas indevassáveis. Chorei quando ruíram aqueles dois edifícios, imaginando as pessoas desesperadas correndo para salvarem suas vidas. Eu sabia que o mundo nunca mais seria o mesmo.
Naquela noite, preguei em um seminário sobre as igrejas do Apocalipse. Estava consciente de que as conseqüências daquele ataque suicida alcançariam todos nós. Eu sabia que era testemunha ocular da história. Desmoronavam as teorias de Francis Fukuiama de que a História (com h maiúsculo) terminara com a dissolução do império soviético e que já não haveria utopias a serem sonhadas. O neoliberalismo chegava ao fim. Ou os estados intervinham nas economias ou haveria um colapso global, começando pelas companhias aéreas. O dia 11 de setembro aposentava também aqueles antigos mapas escatológicos que nos forneciam uma cronologia dos eventos que antecederiam o fim do mundo. O vilão, ao contrário do que pensavam os teólogos dispensacionalistas, já não seria o Mercado Comum Europeu nem o comunismo, mas o islamismo.
Eu, brasileiro, nordestino, pastor de uma igreja pentecostal, estarrecido com todos os acontecimentos, sentia que eles envolviam mais interesses internacionais com repercussão na economia e nas relações do Ocidente com o mundo islâmico. Mas um artigo de José Saramago, publicado na Folha de São Paulo de 19 de setembro, chamou-me a atenção pelo título: O Fator Deus. Ele abriu meus olhos para as mudanças que se prenunciam para o mundo religioso.
Suas considerações, mesmo tendo de descontar sua notória antipatia a Deus, mostraram-me que os atentados do mês de setembro produzirão no mundo ocidental uma nova postura quanto à religião. Por isso, interessei-me em lê-lo cuidadosamente. Saramago afirmou: “Já foi dito que as religiões, todas elas, sem exceção, nunca serviram para aproximar e congraçar os homens, que, pelo contrário, foram e continuam a ser causa de sofrimentos inenarráveis, de morticínios, de monstruosas violências físicas e espirituais que constituem um dos mais tenebrosos capítulos da miserável história humana.”
Sua análise coincide com a mentalidade pós-moderna de que “Deus não é mais que um nome, o nome que, por medo de morrer, lhe pusemos um dia e que viria a travar-nos o passo para uma humanização real”. Talvez por haver escrito apenas oito dias após aquele desastre programado, o português ganhador do prêmio Nobel não nos poupou de sua virulência verbal: “Em troca prometeram-nos paraísos e ameaçaram-nos com infernos, tão falsos uns como outros, insultos descarados a uma inteligência [...]”.
Saramago cunhou a expressão “fator Deus” para combater todo engajamento religioso, que ele acredita ser maligno e promotor de tanto sofrimento humano. Para ele, o ‘fator Deus’, que “se exibe nas notas de dólar e se mostra nos cartazes que pedem para a América (a dos Estados Unidos, não a outra...) a bênção divina” é que deve ser responsabilizado pelo fanatismo secular que tira a paz da humanidade. Ainda: “E foi o ‘fator Deus’ em que o deus islâmico se transformou que atirou contra as torres do World Trade Center os aviões da revolta contra os desprezos e da vingança contra as humilhações”.
O escritor português escreveu que não foram os deuses inventados pelos homens que cometeram esses atos sinistros, mas esse tal ‘fator Deus’ que é “terrivelmente igual em todos os seres humanos onde quer que estejam e seja qual a religião que professem, esse que tem intoxicado o pensamento e aberto as portas às intolerâncias mais sórdidas, esse que não respeita senão aquilo em que manda crer, esse que depois de presumir ter feito da besta um homem acabou por fazer do homem uma besta.”
Arnaldo Jabor, por sua vez, afirmou em um programa de televisão naquela mesma semana que o monoteísmo é o verdadeiro responsável pelo ódio religioso. Ele acredita que ao criarmos Deus, precisávamos descartar as outras idéias sobre a divindade. Ao transformarmos todos os outros deuses em ídolos falsos, geramos a intolerância religiosa. Para ele, os modelos monoteístas (judaísmo, cristianismo, islamismo) promovem mais ódio que quaisquer outros, pois enxergam o próximo sempre como um herege ou um parceiro do diabo.
Os atentados terroristas recrudescerão a intolerância ocidental para com aqueles que não forem ecléticos e ecumênicos. Todos os que, de agora em diante, insistirem nos antigos valores da ética judaico-cristã, acreditarem na afirmação de que Jesus Cristo é o Caminho, ou pregarem os postulados da Reforma de que há uma só verdade religiosa objetiva, revelada na Bíblia, receberão imediatamente o rótulo de retrógrados, medievais e reacionários.
Acredito que os desdobramentos de 11 de setembro de 2001 serão sentidos na comunidade evangélica a médio e longo prazo. Seremos mais e mais rechaçados quando pregarmos a exclusividade da cruz como meio de salvação. Viveremos sob o patrulhamento ostensivo de uma sociedade que não admitirá que falemos da lei moral que condena o pecado e afirma os valores da família, da dignidade da vida e da justiça social. Seremos discriminados pela nossa teimosia em afirmar que há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens. Seremos mais e mais estigmatizados quando insistirmos na unicidade da encarnação e no mandato evangelístico. Já é difícil mostrarmos a necessidade de evangelização dos povos indígenas; a partir de agora será quase impossível.
Os terroristas criaram uma nova mentalidade no mundo. O conceito de tolerância já não é o da convivência entre idéias diferentes. A partir de agora será o de não se insistir em uma idéia, principalmente religiosa.
Sim, a religião, ou como quer José Saramago, o “fator Deus”, não só conspirou para matar Jesus Cristo, como foi responsável pelas Cruzadas, pela Inquisição, pelo genocídio da Armênia, pelo massacre em Ruanda, pelo ódio na Irlanda do Norte e, agora, pelo Talibã, com uma história aviltante de desprezo pelas mulheres, desastre econômico, ecológico e cultural do Afeganistão.
Mas condenar Deus por aquilo que os homens fazem em seu nome seria como condenar a ciência por desenvolver tecnologia que possibilite uma guerra biológica ou condenar os romancistas por escreverem a ficção que inspira os violentos a matarem.
Os terroristas que voaram contra aqueles edifícios pensavam demolir um símbolo econômico e em desestabilizar uma nação. Acabaram atingindo a Deus! Agudizaram a repugnância que a cultura ocidental nutre contra os valores religiosos e aumentaram a resistência que homens e mulheres têm de amarem a Deus. A partir de agora, meninos e meninas aprenderão a não defenderem idéias, principalmente religiosas, para não receberem a pecha de fundamentalistas.
Jesus profetizou sobre o fim afirmando: “Sereis odiados de todas as nações, por causa do meu nome” (Mt 24.9). Este versículo já se cumpriu inúmeras vezes através dos séculos. Temo que o clima se torne mais uma vez tão insuportável que nos sintamos intimidados de pregar o “evangelho do reino por todo o mundo, para testemunho a todas as nações” (v. 14). Receio que jovens do mundo ocidental cresçam sem ideais, quaisquer que sejam eles, e que radicais islâmicos sejam os únicos dispostos a morrerem por uma causa. Sem bandeiras, sem objetivos e sem utopias, permitiremos que a iniqüidade se multiplique. Em se multiplicando a iniqüidade, o amor se esfriará de quase todos e aí virá o fim.
Que Deus tenha misericórdia de nós.
Ricardo Gondim
Soli Deo Gloria

Fonte: Editora Ultimato - formação e informação

O PARADIGMA DO MINISTÉRIO PASTORAL



O ministério pastoral pressupõe chamamento, vocação, preparo – é preciso que o obreiro seja provado e aprovado para Cristo e por meio dele

Um pastor de uma importante denominação evangélica fora “demitido” de sua igreja, sob a alegação de que não conseguira atingir a meta financeira anual. Ele pensava em ingressar na Justiça do Trabalho exigindo seus direitos, porque julgava-se prejudicado pela denominação. Casos assim repetem-se em todos os cantos. Que caminhos conduziram parte da comunidade evangélica a uma vivência ministerial mercantilista da fé cristã? Existe um suporte ideológico que possa legitimar essas práticas? A resposta não é fácil, mas podemos conjecturar alguns pressupostos.
O pragmatismo surgiu nos Estados Unidos através de seu maior divulgador e um de seus maiores mentores, William James. A princípio, o movimento influenciou o comércio e a indústria; passou depois às instituições de ensino, e por fim atingiu a teologia. Sociologicamente, ele aparece em meio a transformações culturais e industriais. Em princípio do século 19 e no início 20, a sociedade americana encontrava-se num crescente êxodo rural. O processo de urganização transformou uma economia agrária em industrial. O pragmatismo caiu como uma luva neste novo ambiente, que exigia uma nova forma de ver e fazer as coisas. O resultado é que passou a ditar a nova ótica de uma sociedade ávida por realização.
Até então, a vida, a natureza e a práxis teológica estavam centradas nos fundamentos ortodoxos doutrinários. A preocupação básica era com a filosofia teológica: seus fundamentos, sua hermêneutica, seus dilemas, seus paradoxos, sua base – se era bíblica ou não – etc. No Brasil, as instituições teológicas receberam a influência de missionários e pensadores europeus e americanos. Eles trouxeram a sua bagagem cultural e pregaram-na como um “absoluto teológico”, sem o discernimento e a devida compreensão do que estava a ser ministrado às igrejas e instituições teológicas, que, por sua vez, adotaram-na como uma verdade inquestionável. Afinal, questionar não faz parte da maioria do vocabulário evangélico brasileiro; o pensamento crítico soa como um subversão, rebeldia ou coisa do gênero.
Sou de certa forma nostálgico com a vivência pastoral dos pioneiros evangélicos que desbravaram esse imenso país: eram homens de caráter sério, de vida de oração constante, de piedade exemplar, de modéstia e simplicidade evidentes. Quando lemos as histórias dos pioneiros das várias denominações, é impossível não nos sentirmos desafiados a uma vida mais santa. Contudo, a tônica da liderança atual está centrada no que se pode denominar de teologia de mercado, ou seja, seus resultados. Não importam os meios; o que é fundamental é o número de pessoas que enchem os templos. Nesse frenesi por resultados, pouco importa a moral dos fiéis; é por essa razão que ser evangélico já não causa mais impacto na sociedade: escândalos financeiros já não escandalizam ninguém, evangélicas já posam em revistas masculinas.
Igrejas há que não questionam seus candidatos a cargos eletivos acerca de sua prática devocional, integridade pessoal, idoneidade como cidadão e outros aspectos que eram valorizados noutros tempos. O talento suplantou a obediência e a santidade; já não se avalia um clérigo pelo que ele é, e sim pelo que realiza. O fruto disso está aí: líderes bem sucedidos numericamente, porém derrotados e cheios de síndromes megalomaníacas.
A América Latina é pródiga em suscitar líderes com caráter feudal. E esta cultura se reflete em muitas denominações evangélicas. O autoritarismo é reproduzido nos sistemas eclesiásticos, surgindo figuras os “ungidos”, os “apóstolos” ou os homens “da visão de Deus”. Some-se a isso a pobreza teológica de muitos segmentos e teremos lideranças pífias, pastores que não sabem fazer uma exegese do texto sagrado, são incapazes de ministrar mensagens expositivas – geralmente, pregam-se mensagens tópicas, que são mais fáceis de elaborar e não exigem trabalho metódico de estudo, pesquisa, análise e reflexão.
Um povo evangélico sem cultura teológica é um povo facilmente influenciado, manipulado e dominado. E quais são as evidências de um líder evangélico feudal? Há alguns indícios exteriores que ajudam a perceber o comportamento da maioria deles. Liderança absoluta, por exemplo – este tipo de dirigente não abre mão de possuir todo o controle. Ele também age como detentor do poder absoluto, não permitindo questionamento. Além disso, o líder feudal vê nos membros da igreja pessoas que devem servi-lo, e não o contrário; por fim, há um sinal muito evidente que demonstra o clímax desse feudalismo religioso: a liderança da igreja é exercida num sistema de sucessão familiar, com perpetuação de uma dinastia personificada na família do líder. É interessante observar que até mesmo denominações históricas têm se vergado a esse tipo de liderança, geralmente exercido por pessoas muito carismáticas.
Por outro lado, hoje em dia, o pastor já não é avaliado pela natureza do seu chamado, pelo que ele é como cristão e servo de Deus. Pouco importa para algumas igrejas o que as Escrituras têm a dizer sobre o ministério pastoral. Importa o que ele pode produzir em termos de crescimento numérico. Mas em nenhum lugar da Palavra de Deus encontramos textos associando o crescimento da igreja em termos de números ao caráter do obreiro. Paulo disse que o crescimento da obra vem do Senhor. Afinal, o novo nascimento é uma experiência transcendente, puramente espiritual, que não pode ser mensurada por avaliação humana; somente o Pai Celeste sabe os que são seus e que o servem de coração.
A centralidade da mensagem cristã precisa voltar-se para Cristo. Em alguns círculos evangélicos, a mensagem é antropocêntrica, voltada para os desejos da natureza humana; em outras comunidades, destacam-se os paradigmas de natureza filosófica. Isaltino Coelho diz que há pastores que conhecem mais a respeito de Nietzsche e Platão do que a respeito de Jesus Cristo. A mensagem que pregamos é esta: “Jesus Cristo crucificado”, conforme disse Paulo. O ministério pastoral pressupõe chamamento, vocação, preparo – é preciso que o obreiro seja provado e aprovado para Cristo e por meio dele.
Um ministro tem uma ferramenta de trabalho, a Bíblia; o que o bisturi é para o médico, são as Escrituras para o pastor. E ele deve fazer conforme a recomendação do apóstolo: “Pregar a Palavra”, e somente a Palavra.

Josenaldo Silva
Pastor na Igreja Batista de Sete Rios, em Lisboa, Portugal
Fonte: Revista Eclésia