02/06/2010

A Iniqüidade dos Fariseus – J. C. Ryle

 

(Mateus 12.14-21)


A primeira coisa que nos chama a atenção nesta passagem é a desesperada iniqüidade do coração humano. Silenciados e derrotados pelos argumentos de nosso Senhor, os fariseus foram afundando cada vez mais no pecado. Eles, retirando-se "conspiravam contra ele, em como lhe tirariam a vida".


Que maldade havia praticado nosso Senhor para ser tratado daquela maneira? Nenhuma, de modo algum. Eles não podiam fazer qualquer acusação legítima contra Ele. Jesus era santo, inocente, sem mácula e separado dos pecadores. Os seus dias eram passados inteiramente na prática do bem. Nenhuma acusação podia ser levantada contra os seus ensinamentos. Ele havia provado que sua doutrina concordava com as Escrituras e com a razão, e nenhuma resposta havia sido dada aos seus argumentos. Não obstante, pouco importava quão perfeitamente Ele vivesse ou ensinasse. Ele era odiado.

Assim é a natureza humana, manifestando-se em suas verdadeiras cores. O coração não convertido odeia a Deus e mostrará este ódio sempre que ousar ou tiver uma oportunidade favorável. Sempre perseguirá as testemunhas de Deus. Desagrada-lhe todos os que manifestam algo da mente de Deus ou que tenham sido renovados segundo a sua imagem. Por que tantos dentre os profetas do Senhor foram mortos? por que os nomes dos apóstolos foram rejeitados pelos judeus como malignos? por que os primeiros mártires cristãos foram executados? por que João Huss, Jerônimo de Praga, Ridley e Latimer foram queimados na fogueira? Não por causa de algum pecado que houvessem cometido; e nem por causa de qualquer iniqüidade que tivessem praticado. Todos sofreram porque eram homens piedosos. A natureza humana não-convertida odeia os homens de Deus, porque odeia o próprio Deus.

Os crentes verdadeiros nunca devem ficar surpresos, recebem o mesmo tratamento que Jesus recebeu. "Irmãos, não vos maravilheis, se o mundo vos odeia" (1 Jo 3.13). Nem a coerência mais perfeita ou o caminhar mais chegado com Deus, haverá de isentar o crente da inimizade do homem natural. O crente não precisa torturar a sua mente com a fantasia de que, se tivesse menos faltas e mais coerência, todos os homens certamente o amariam. Tal pensamento envolve um tremendo equívoco. Devemos nos lembrar de que nunca houve um homem perfeito na terra, senão um só, e que Ele não foi amado, e sim, odiado. Não é das fraquezas do crente que o mundo desgosta, mas da sua bondade. Não são os remanescentes da antiga natureza humana que provocam a inimizade dos homens deste mundo, mas antes, é a exibição da nova natureza. Lembremo-nos destas verdades e sejamos pacientes. O mundo odiou a Cristo e continuará odiando os crentes.

A outra coisa que nos chama a atenção nesta passagem é a encorajadora descrição do caráter de nosso Senhor Jesus Cristo, que o apóstolo Mateus extraiu da profecia de Isaías. "Não esmagará a cana quebrada, nem apagará a torcida que fumega."


O que devemos entender com as expressões "cana quebrada" e "torcida que fumega"? Sem dúvida alguma, a linguagem do profeta é figurada. O que significam essas duas expressões? A explicação mais simples parece ser que o Espírito Santo estava aqui descrevendo pessoas cuja graça no momento é fraca, cujo arrependimento é débil, e cuja fé é pequena. Para com tais pessoas, o Senhor Jesus Cristo mostrar-se-á muito terno e compassivo. Embora a cana quebrada seja frágil, não será esmagada. Por menor que seja a torcida que fumega, não será apagada. Esta é verdade permanente no reino da graça divina, que uma graça fraca, uma fé fraca e um arrependimento fraco são todos preciosos aos olhos de nosso Senhor. "Deus é mui grande, contudo a ninguém despreza" (Jó 36.5).


A doutrina aqui salientada é plena de consolo e conforto. Para os milhares de crentes em todas as igrejas de Cristo, essa doutrina deveria representar grande paz e esperança. Em cada congregação, há alguns que ouvem o evangelho, mas estão à beira de desistir da própria salvação, porquanto as suas forças lhes parecem tão poucas. Estão che¬ios de temores e desalentos, porquanto o seu conhecimento, fé, esperança e amor parecem tão pequenos e insignificantes. Que esses crentes sejam consolados por este texto bíblico. Que eles saibam que a fé, embora fraca, confere ao seu possuidor um interesse real e verdadeiro em Cristo, tanto quanto a fé mais robusta, embora não forneça o mesmo gozo.

Há vida biológica em um recém-nascido, tanto quanto em um homem plenamente adulto. Há fogo em uma fagulha, tanto quanto nas chamas mais ardentes. Mesmo o menor grau de graça divina é uma possessão que dura para sempre. A graça divina nos vem do céu, é preciosa aos olhos de nosso Senhor. Jamais será rejeitada.

Acaso Satanás faz pouco caso dos primeiros passos do arrependimento para com Deus e da fé em nosso Senhor Jesus Cristo? Não! Pelo contrário, ele é tomado de grande ira, porque percebe que o seu tempo está se tornando cada vez mais curto. Acaso os anjos de Deus consideram com desdém os primeiros sinais de penitência para com Deus, em Cristo? Não, de maneira alguma! Há júbilo entre os anjos, quando os pecadores se arrependem. Acaso o Senhor Jesus mostra desinteresse quando a fé é pequena e o arrependimento fraco? Não, certo que não! No momento em que uma "cana quebrada" como Saulo de Tarso co¬meça a clamar a Deus, eis que o Senhor lhe envia Ananias, porque ' 'ele está orando" (At 9.11). Erramos gravemente se não encorajamos os primeiros passos de uma alma em direção a Cristo. Que os ignorantes deste mundo escarneçam e zombem, se assim o quiserem fazer. Pode¬mos estar certos de que as "canas quebradas" e as "torcidas que fumegam" são muito preciosas aos olhos de nosso Senhor.

Que todos nós entesouremos estas verdades no coração, utilizando-as nos momentos de necessidade, tanto para o nosso proveito como para o de outras pessoas. Deveria ser um conceito bem firme em nossa religião cristã que uma fagulha é melhor do que a escuridão, e que uma pequena fé é melhor do que nenhuma fé. Há quem despreze "o dia dos humildes começos"? (Zc 4.10), mas esses humildes começos não são desprezados por Cristo; e também não deveriam ser desprezados pelos crentes.

fonte:  A Iniqüidade dos Fariseus – J. C. Ryle | O PRINCIPAL DOS PECADORES