13/08/2010

Falsos Profetas, Falsa Paz - D. M. Lloyd-Jones

 

 

Os falsos profetas clamavam "Paz, paz"; mas não havia paz. Quando aprenderemos que não há paz permanente neste mundo e deixaremos de dar atenção aos falsos profetas? O fato de ser necessário salientar esse ponto, numa época como a nossa, quando acabamos de experimentar duas devastadoras guerras mundiais, ambas neste século, é prova, por si mesmo, da cegueira que aflige esse otimismo fatal que atinge a humanidade em sua natureza. Mas, devido à nossa cegueira, esse é um particular que deve ser salientado e repetido interminavelmente, se quisermos ser salvos.

Temos de enfrentar, portanto, questões como as seguintes: Por quanto tempo ainda teremos de esperar, antes que esse movimento ascendente e essa tendência, na humanidade, evolua a um estado de final e completa perfeição? Haverá alguma esperança para nós, ou teremos apenas de sonhar acerca de tal esperança, porquanto só se concretizará após muitas e muitas outras eras de tempo? Haverá qualquer evidência real da existência de tal avanço? Uma vez mais precisamos considerar se o mundo está se tornando mais feliz, melhor e mais gentil; se os problemas da vida estão diminuindo gradualmente em número e decrescendo em complexidade; se a desumanidade do homem contra o homem é menos evidente hoje em dia do que era antes. No entanto, todos esses problemas exigem resposta: Há provas do incremento de virtudes positi­vas? E o que dizer sobre a idéia de que tudo o quanto necessitamos é aplicar nossa capacidade cerebral, desenvolver nosso intelecto e expandir nosso conheci­mento? As pessoas dotadas de habilidade estão isentas desses problemas? O intelecto garante uma vida de felicidade perfeita? O homem que adquiriu conheci­mento e cultura, necessariamente é um modelo de todas as virtudes? Está tal homem imune a todas as enfermi­dades e dificuldades das quais a carne é herdeira? Aplica ele, invariavelmente, o seu conhecimento e os seus poderes de raciocínio, quando atraído por aquilo que sabe ser errado ou prejudicial, mas que, não obstante, lhe é atrativo e que lhe satisfaz?

Se quisermos as respostas, teremos apenas de ler as obras dos grandes escritores do mundo. Tais homens, algumas vezes, se acham entre os maiores sofredores do mundo e, com freqüência, têm suportado agonias mentais e espirituais mais pungentes do que qualquer outro tipo de pessoa. De fato, no terreno de suas rela­ções pessoais, com freqüência têm fracassado da maneira mais trágica. A filosofia de Bacon, a qual diz que "conhecimento é poder", tornou-se um popular "slogan" moderno. Mas a história, as biografias e os registros dos tribunais de justiça, bem como as colunas dos jornais, relatam uma realidade inteiramente diversa. À parte de tudo isso, entretanto, se a nossa salvação jaz no intelecto e no conhecimento, que esperança pode haver para aqueles que não foram dotados de grande intelecto, os quais, portanto, não podem ter a esperança de aprender? Uma salvação que pode salvar apenas alguns é uma zombaria e uma imitação burlesca da palavra.

Do mesmo modo, podemos ver que uma simples mudança de condições não tem possibilidade de solu­cionar o problema. São felizes todos quantos são suficientemente abastados? A possessão de coisas, casas e bens soluciona, na realidade, todos os problemas? Quem, geralmente, é mais feliz, o rico ou o pobre, o habitante da cidade ou o do campo? Em qual classe se verifica o maior número de tragédias, ou em qual delas se experimenta uma maior profundidade de miséria e desolação? A resposta, naturalmente, é que, em última análise, as condições fazem bem pouca diferença em nossa felicidade ou no caráter de nossa vida. Pelo menos, se fazem diferença, então é que estamos tendo uma modalidade de vida das mais precárias. As coisas que determinam o nosso tipo de vida são muito mais profundas — o amor ou o ódio, a inveja ou a generosi­dade de espírito, o egoísmo ou a disposição de ajudar a outros, bem como todas as várias outras qualidades de caráter que contribuem para determinar as relações humanas. Os nossos problemas e tribulações originam-se em nós mesmos e naquilo que somos.

Não queremos negar o valor da educação ou das condições econômicas. Todas as criaturas humanas têm direito a certa medida de vida decente no mundo presente e deveriam exigi-la como algo que lhes cabe; mas dizer que isso basta, e que tais coisas solucionam, sozinhas, todos os nossos problemas, é exibir um ponto de vista inteiramente falso acerca da vida. Realmente, tudo isso nos faz lembrar crescentemente daquelas palavras de Shakespeare:

A falha, querido Bruto, não se acha em nossas estrelas,

Mas em nós mesmos, que somos subalternos.

Aqueles que clamam, "Paz, paz", alicerçados sobre base tão superficial, são falsos profetas, para quem os fatos da vida replicam clamorosa e tragica­mente: "Não há paz".

Antes que possam ser solucionados os problemas da vida e dos homens, precisamos primeiramente entender a verdadeira natureza do problema. Visando esse fim, precisamos lançar fora todos os nossos preconceitos e deixar de ser governados pelos nossos desejos. Devemos estar preparados para pensar com honestidade, fazendo um exame e uma análise completos, o que nos sondará em profundidade, perscrutando tanto os nossos motivos como as nossas ações.

fonte: Martyn Lloyd-Jones: Falsos Profetas, Falsa Paz - D. M. Lloyd-Jones