12/05/2010

O que havia sido usurpado

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Por Paulo Brabo

Estocado em Manuscritos

Quando dá a um pobre você não está dando do que é seu,
está devolvendo o que pertence a ele.
Você é quem havia usurpado o que é comum,
aquilo que foi dado para o comum benefício de todos.
Ambrósio de Milão

A ganância, que é idolatria, não é o desejo de acumular riquezas e não é o anseio pela aparente liberdade que as riquezas podem comprar. O verdadeiro motor da ganância é um fetiche mais profundo, mais oculto e mais raramente expresso em palavras, pois trata-se do desejo pelo direito de não depender de ninguém, o vertiginoso direito de poder viver sem qualquer consideração pela vontade e pelas necessidades dos outros.

Em última instância, a ganância é o anseio pelo distanciamento completo dos embaraços do mundo, e seu impulso subjacente é uma completa negação do mundo. A seu modo, portanto, a obsessão pela acumulação de bens é uma espécie de ascetismo, uma forma de negar e afastar-se das complicações da vida. Nosso sonho mais rigoroso é acumular bens e riqueza até que o mundo exterior não tenha absolutamente qualquer modo de nos atingir, até que estejamos perfeitamente a salvo e perfeitamente distintos do mundo.

É precisamente essa ilusão de isolamento a denúncia da parábola registrada por Lucas no décimo-segundo capítulo de seu evangelho, a história do homem rico que decidiu encarcerar-se em celeiros com suas provisões e bens, porque havia angariado suficiência “para muitos anos”. Esse homem havia satisfeito idealmente o coração secreto da sua ganância, porque era (ou se julgava) finalmente independente de tudo e de todos. A história escancara que essa sua autonomia é ilusória, pois explica que Deus decidira secretamente requerer a sua vida naquela mesma noite. Porém, em termos estritos, o homem já conseguira adquirir em vida a estirpe de morte que escolhera para si mesmo, porque a completa separação do mundo e das pessoas, embora seja o alvo ideal de toda a ganância, é uma espécie muito literal de morte. Na história o protagonista deve morrer na mesma noite em que planeja sua independência – porque, no fim das contas, já escolheu a morte. Estando plenamente suficiente, separado das contingências da vida e das necessidades dos outros, já está morto.

Acumular riquezas é construir defesas contra o mundo, e nisso a ganância é indistinguível de qualquer outra obsessão com a morte. Que os ricos e os gananciosos são obcecados pela morte é evidente no que negam a morte continuamente. Recusam-se a mencionar a morte ou a reconhecer o seu poder, mas vivem construindo contra as contingências da vida barreiras que lhes pareçam suficientemente seguras. Todos os que criam estavam unidos e tinham tudo em comum. E vendiam suas propriedades e bens e os repartiam por todos, segundo a necessidade de cada um.O homem rico vive percorrendo os limites da sua propriedade, estudando vulnerabilidades e planejando ampliações; ele teme encontrar alguma brecha em seus muros, porque não quer deixar entrar qualquer traço de vida e, consequentemente, de morte.

Quando escolhem neste ponto despojar-se de seus bens em favor de todos os outros, os integrantes da comunidade do espírito estão fazendo precisamente o trajeto contrário, isto é, abraçam sem intermediários a vida e a morte, o mundo e as pessoas. O homem rico da parábola decide construir para si celeiros que deveriam funcionar como barreira efetiva contra a entrada do mundo; inversamente, ao despojar-se dos seus bens os romeiros de Pentecostes estão baixando suas defesas, demolindo as muralhas que os protegiam.

Séculos depois, devidamente iluminado por essas coisas e estarrecido diante delas, coube a Proudhon proclamar sucintamente que “propriedade privada é roubo”. Como observou meu amigo Dan Oudshoorn, isso não quer apenas dizer (como disseram, ver acima, pais da igreja como Ambrósio de Milão) que acumular bens é subtrair sem autorização de um patrimônio que Deus designou a todos e não apenas a alguns; ceder às tentações da propriedade privada não é apenas roubar dos pobres, é roubar a nossa humanidade de nós mesmos – precisamente porque nossos bens acabam exercendo a obscena função de barreira intermediária entre nós e o mundo, entre nós e os outros.

Acumular bens é confessar que nossa identidade e nosso valor estão de alguma forma ligados às coisas que conseguimos angariar ou manter, e não a nós mesmos. Essa é uma admissão desumanizante, e para escaparmos da consciência disso aplicamos o mesmo critério desumanizador aos outros, julgando-os pelo que podem oferecer para nos impressionar e reservando nossa generosidade para os que não carecem dela (isto é, os que podem recompensá-la). A ganância é idolatria porque é essa degradante confissão de insuficiência e de desgraça.

Novamente, é por essa razão que os da comunidade do espírito sentem a necessidade de despojarem-se literalmente dos bens que os amarram e confundem. Quando diluem tão imprudentemente o seu patrimônio, estão confessando em altos brados a suficiência do reino de Deus, onde aos pássaros não falta alimento e onde a elegância das flores é motivo de embaraço para reis e dignatários. Confessar o reino é confessar que nada há que temer e que nenhuma barreira deve ser construída entre o ser humano e a vida, entre um ser humano e outro. É apostar, loucamente, na suficiência do cavalheirismo e da gentileza. Ao mesmo tempo em que se despojam, os novos discípulos dão testemunho de que acreditam que a vida partilhada vale todos os riscos (de que a riqueza não salva) e se mostrará capaz de suprir todas as carências (que a riqueza não satisfaz). É uma confissão insensata mas simetricamente digna de Jesus, e neste momento são todos simultaneamente afixados e identificados com ele na cruz.

Tornaram-se, finalmente, as testemunhas que Jesus havia desafiado que fossem, porque aprenderam a falar tão-somente a linguagem da graça, da generosidade, da inclusividade e da dádiva – a qual, conforme proposto incessantemente pelo Filho do Homem, é a própria linguagem (isto é, a identidade) de Deus.

A reviravolta está em que descobrem, como todos que se embrenham nesse caminho estreito, que nada há mais vantajoso, benéfico e curativo para eles mesmos do que “ajudar” os outros diluindo a vida e demolindo as barreiras que haviam passado a vida erguendo contra os avanços deles. Os romeiros de Pentecostes, que haviam, como todos, acumulado riquezas a fim de garantir a sua própria liberdade contra a ameaça dos outros, deparam-se agora com a maravilha articulada por Moltmann: o momento em que o outro deixa de ser um limite à nossa liberdade e passa a ser uma inesperada extensão dela.

É ainda por essa razão que o seu despojamento deve ser total. Primeiro, para que não acabem incorrendo no que Derrida chama de hostipitalidade – isto é, a complexa rede submersa de conflitos e hostilidades que acompanha necessariamente as relações de hospitalidade. A hospitalidade deve ser radical ao ponto do esvaziamento, do contrário não será de fato hospitalidade. Enquanto houver distinção entre hóspede e anfitrião, entre doador e beneficiado, entre ricos e pobres, haverá cobrança e hostilidade (mesmo que encobertas), e essas são tensões inteiramente incompatíveis com o mecanismo imaculado da graça. Enquanto houver algum apego à propriedade haverá alguma barreira, por isso a completa dissolução, o esvaziamento sem paralelo e sem precedentes. Possuir é manter-se condicionado.

Segundo, porque o despojamento total é o preço do encontro definitivo consigo mesmos, é o momento da morte do ego e da ressurreição, e na qualidade de heróis míticos os peregrinos de Pentecostes não hesitarão em dar esse último passo – que será o seu primeiro. Morrem porque querem viver, dão tudo porque querem ser livres. Quem quiser preservar a sua vida irá perdê-la, já havia profetizado o inclemente paradoxo de Jesus.

E, finalmente, quando se vulnerabilizam por completo, esses homens e mulheres encontram-se consigo mesmos e com uma suficiência que não podiam sonhar que chegariam a experimentar. Abrindo mão daquilo que o rico busca encontrar incessantemente na riqueza, isto é, controle, os peregrinos encontram controle e autodomínio – e encontram-nos num regime permanente que a riqueza, por definição, é incapaz de prover.

Estão, simultaneamente e pela primeira vez, disponíveis para outros – não porque deram aos outros tudo que possuíam, mas porque encontraram-se consigo mesmos e será a primeira vez que os outros poderão vê-los, a cada um, como realmente são. Porque abriram mão das riquezas e dos bens que vinham servindo de barreira entre eles mesmos e os outros, serão finalmente capazes de compartilhar aquilo que, nas palavras de Santo Ambrósio, haviam “usurpado” das outras pessoas, aquilo que havia sido “dado para o benefício comum de todos”.

Não os seus bens, mas eles mesmos.

fonte:  Bacia das Almas - Onde as idéias não descansam » O que havia sido usurpado

O HOMEM QUE INVESTIA EM PERDEDORES

 

Para quem gosta de futebol este é um período intenso. Os campeonatos terminam na Europa e a cada semana há novos campeões. Logo começará o Campeonato do Mundo e o planeta vai acompanhar e torcer até a grande final e ao grande campeão. Ninguém vai falar do segundo classificado, ninguém vai lembrar do segundo classificado. Há que vencer. Há que triunfar. No nosso tempo há que ser um vencedor a todo custo.
Empresas e instituições apostam em vencedores. No Brasil há escolas secundárias particulares que pagam a alunos com médias altas para estudarem em sua escola. O objectivo é obterem as melhores notas nas provas nacionais a fim de servirem de propaganda da escola. Nos Estados Unidos as grandes faculdades são vasculhadas a procura de talentos. Os melhores alunos já terminam os cursos com emprego garantido. Todos querem investir nos melhores. Mas o evangelho nos conta uma história diferente. Jesus foi um líder que investiu em perdedores.
Do ponto de vista dos recursos humanos modernos, episódios como os de Jesus com Nicodemos ou o Moço Rico, ou ainda o fariseu rico em cuja casa jantou, são de arrepiar. Ali estavam homens vencedores. Líderes na sociedade, vistos com bons olhos por todos. Mostravam claro interesse em Jesus. Estavam dispostos a ser vistos com Ele e fazer parte de seu grupo. Seriam excelentes "aquisições". Imagine um Nicodemos ao lado de Cristo em público. Seu ministério cresceria em status da noite para o dia. E o que Jesus fez com esses vencedores? Não se impressionou com seus currículos e títulos e colocou a fasquia da adesão ao seu grupo tão alta que se retiraram em silêncio. Um director de recursos humanos moderno desesperaria.

Jesus investiu em pessoas que eram perdedores aos olhos do mundo. A maioria dos discípulos (Judas foi a excepção) era da Galiléia. Desprezados por serem de uma região pobre, por seu sotaque e seus modos provincianos. Jesus investiu em Mateus e Zaqueu, publicanos odiados pelas massas. Em zelotes, famosos por sua violência; em Pedro, um pescador voluntarioso mas descontrolado; em Maria Madalena, uma mulher que fora liberta de demónios. Jesus conversava com samaritanos, parava para atender uma mulher cananéia, tocava em leprosos, elogiava uma viúva pobre. Que grupo! O que Ele esperava deles? Como colocar o futuro do evangelho nas mãos de tais pessoas? O que Jesus viu neles?
Creio que Jesus investiu nessas pessoas por várias razões, a primeira é que eram e são ainda hoje a maioria. Representavam de modo muito mais fiel a realidade da humanidade sem Deus. Se Ele tivesse investido nos nicodemos da vida, nós certamente ficaríamos de fora. Mas o evangelho era para todos. Era para a maioria, era para os que são considerados perdedores pela cosmovisão dominada por sucesso e fama.
Jesus investiu nesses porque os vencedores, segundo o mundo, têm a tendência de se acharem suficientes. Pensam que por terem sucesso não precisam de ninguém e podem seguir sozinhos. Na verdade vivem sós, porque o sucesso é um lugar extremamente solitário. Descobrem que o sucesso segundo o mundo na maioria das vezes representa fracasso nas áreas mais importantes do viver: a vida espiritual e familiar. Esses vencedores não queriam se dobrar ao Senhorio de Cristo e Ele veio para ser Rei e Senhor.
Jesus investia em perdedores porque essas eram as pessoas que estavam mais abertas a sua mensagem. O mundo não lhes podia oferecer nada mais. O que o mundo mostrava de apetecível estava fora de seu alcance. A própria religião dominante lhes dizia que eram perdedores exatamente porque Deus não gostava muito deles. Então Jesus veio e lhes disse "Felizes são os pobres de espírito, os perdedores segundo o mundo, porque estão mais perto de se deixarem dominar pelo senhorio de Deus e viverem o reino dos céus". Que alivio! Que consolo! Que EVANGELHO!
Jesus investiu em perdedores porque viu neles o que mais ninguém via. Atrás de um Pedro descontrolado Jesus viu um líder dinâmico e poderoso. Atrás de um Zaqueu ladrão Jesus viu um generoso benfeitor. Atrás de uma Madalena possuída pelo mal Jesus viu uma discípula amorosa e dedicada. Atrás de um Mateus controlador Jesus viu em evangelista criterioso. Os olhos do Criador são capazes de ver o potencial da criatura porque Ele os criou e sabe do que poderão ser capazes se receberem o incentivo certo, as condições certas e sobretudo se tiverem a atitude e o Espírito certo.

Louvo a Deus ao ver o investimento de Jesus. Ele me leva a duas conclusões principais. Primeiro que a Igreja deve investir do mesmo modo. Deve ser capaz de alcançar os que o mundo despreza. Deve ter a capacidade doada por Deus de ver além da superfície e antever o potencial. Evangelho será sempre a mensagem eterna do resgate completo do homem para sua salvação e potencial máximo.

Mas também concluo com gratidão que se Jesus investiu em gente menos bem sucedida irá investir em nós. Nem sempre somos exemplos de sucesso. Muitas vezes o mundo nos faz sentir como fracassados. Isso não muda nem o amor nem o investimento do Senhor em nós. Aleluia! Ele investe em mim apesar de tudo. Aleluia! Por causa de seu investimento, e sem me importar com o julgamento do mundo, podemos ser "mais que vencedores por aqueles que nos ama". Amém! Certo desse amor e desse investimento podemos crescer no Senhor, ser melhores, desenvolver nosso potencial e viver de tal modo a reflectir a Glória do Senhor para que o "mundo veja as nossas boas obras e glorifique nosso Pai que está nos céus". Que assim seja.

FONTE:  JOED VENTURINI: O HOMEM QUE INVESTIA EM PERDEDORES

DONS ESPEIRITUAIS: DISCERNIMENTO

 

DISCERNIMENTO

“Pelo Espírito, a um é dada a palavra de sabedoria; a outro, pelo mesmo Espírito, a palavra de conhecimento; a outro, fé, pelo mesmo Espírito; a outro, dons de curar, pelo único Espírito; a outro, poder para operar milagres; a outro, profecia; a outro, discernimento de espíritos; a outro, variedade de línguas; e ainda a outro, interpretação de línguas.” (1 Co 12:8-10 NVI)

O Que é o Dom Espiritual de Discernimento?

O dom espiritual de discernimento é a capacidade de rapidamente perceber se tais coisas como pessoas, eventos, ou crenças são de Deus ou de Satanás. As pessoas com o dom de discernimento sabem que Satanás e seus demônios disfarçam-se como santos (1 Cor. 11:14-15). Também sabem que Satanás opera falsos milagres (Ex. 7:11-22; 8:7; Mt. 7:21-23; 2 Tim. 3:8) para enganar as pessoas (2 Tess. 2:9), e que ele capacita falsos mestres (2 Ped. 2:1), falsos profetas (Mt. 7:15), falsos apóstolos (2 Cor. 11:13) e falsas doutrinas (1 Tim. 1:3; 6:3).

Discernimento nas Escrituras

Jesus era capaz de perceber a presença de Satanás (Mt. 4:1-11), ver quando alguém era influenciado por Satanás (Lucas 22:31), e saber quando as palavras de alguém foram influenciadas por Satanás (Mt. 16:23). João (1 João 4:1), Paulo (Atos 16:16-18), Pedro (Atos 5:1-11), e os discípulos (Mt. 10:1), todos demostraram o dom de discernimento.

Você tem esse dom?
  • Você sente uma responsabilidade especial de proteger a verdade da Palavra de Deus mediante a exposição daquilo que está errado?
  • Você faz frequentemente uma rápida avaliação de alguém ou de algo que foi dito, que outros não percebem, e que no entanto provou estar correto?
  • Você tem uma sólida compreensão das Escrituras e uma sensibilidade à orientação de Deus, o Espírito Santo?
  • Você está agudamente consciente do pecado moral e da heresia doutrinária?
  • Pode ler um livro ou ouvir um mestre e quase imediatamente descobrir um falso ensino?
  • Você tem uma consciência da presença demoníaca e de como ajudar as pessoas a serem libertas de demônios?

FONTE:  || vineyard café || blog

A ARDENTE EXPECTATIVA

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“Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória que em nós há de ser revelada. A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus”
(Romanos 8:18-19)

O ex-padre católico, Brennan Manning, conta em seu excelente livro, O Evangelho Maltrapilho, publicado no Brasil pela Editora Mundo Cristão e traduzido pelo perspicaz Paulo Brabo, que ao passar em frente a um centro de convenções, viu uma fila de pessoas que aguardava entrar em suas dependências para participar da festa que ali seria promovida. A atenção de Brennan foi arrebatada pela expectativa e pelo semblante de alegria e contentamento das pessoas que compunham aquela fila.
Conta o autor que sua mente foi invadida por pensamentos variados e que algo o intrigou. Embora aquela possivelmente fosse uma cena comum, Brennan ficou perplexo. Pois, ao constatar a expectativa daquelas pessoas, lembrou-se que os cristãos também estão numa fila esperando os portões celestiais se abrirem para participar da festa das “bodas do Cordeiro”; contudo, para nossa surpresa, muitos desses cristãos não estão felizes. Na verdade muitos estão na fila, porém duvidosos se realmente há um banquete à nossa espera. Muitos acham que o anfitrião não ficará contente em vê-los. E muitos se perguntam se serão bem-vindos. A idéia de um Deus ansioso por nos receber e uma festa maravilhosa para nos recepcionar parece boa demais para ser verdade. Nossa forma de viver, alias, revela que acreditamos que não há nenhuma festa preparada nos céus para nós.
Além de Manning, o apóstolo Paulo também nos intriga ao declarar que a criação possui uma “ardente expectativa” e que ela geme esperando a revelação dos filhos de Deus. Ou seja, a própria natureza, que se tornou cativa e prejudicada em função da queda de Adão, “espera” uma arrebatadora libertação na consumação dos séculos. Ora, se isso é verdade para a parte irracional da criação, porque nós, cristãos, os principais alvos do amor eterno de Deus, não possuímos tão intensa expectativa? Porque vivemos como se nossa existência se resumisse à paisagem que está adiante de nós e que nos distrai tanto que esquecemos que o melhor ainda está por vir?
“Não dá para comparar” - é o que diz o apóstolo Paulo. O que sinto e vejo neste mundo é infinitamente inferior ao que experimentarei ao lado do Criador, do Salvador e do Consolador. Por que nos esquecemos disso tão facilmente? Por que nossa alegria é de tão curta duração? Por que nossa esperança é tão instável? Por que ficamos tão irritados com a grama do jardim que está alta, com a conexão da internet que caiu, com as chaves que perdemos, (ou com coisas desse tipo) se há uma realidade indescritivelmente superior à qual estamos destinados e que, portanto, encontraremos? Até mesmo preocupações relevantes como as epidemias, o desemprego, a violência, a desigualdade e a fome não podem ofuscar “a glória que em nós há de ser revelada”.
Fiódor Dostoiévski, um dos maiores escritores de todos os tempos, compreendeu as palavras de Paulo ao constatar que deve (ou deveria) haver um lugar de compensações, pois nesta existência o homem não consegue viver à altura de seus mais nobres ideais - não praticamos todo bem que almejamos, não amamos intensamente, não somos tão bons quanto gostaríamos, vivemos aquém dos nossos ideais. A vida não faria sentido se tais aspirações não fossem saciadas em algum lugar. Este lugar, segundo Dostoiévski, é a eternidade. À sua maneira, o romancista compreendeu a teologia de Paulo.
Sim, há um lugar na eternidade onde o sofrimento não nos alcançará. Onde nenhuma lágrima será derramada. Onde as dúvidas não mais nos perturbarão. Onde toda incerteza será dissipada. E Dostoiévski chegou a essa conclusão após passar por um conflito pessoal. No dia do sepultamento de sua esposa, Masha, ele começou a pensar que, apesar dos momentos sofríveis do matrimônio, da incompatibilidade de comportamentos, do ódio que às vezes Masha sentia ao presenciar os ataques de epilepsia que ele sofria, das constantes brigas e do abandono do lar, houve momentos de felicidade verdadeira, porém ambos não conseguiram viver à altura do amor ideal. Dostoiévski considera, portanto, que um dia talvez ele veja sua esposa de novo em um lugar pleno de satisfação; e, por pensar assim e acreditar nisso, aconselha todos a seguirem o conselho de Paulo e atentarem, não para as coisas visíveis que são temporais, mas para as invisíveis que são eternas.
Por semelhantes razões, digo a vocês que devemos todos, qual promoters de raves, entregar os flyers para as Bodas do Cordeiro com contagiante alegria e ardente expectativa. A boa notícia, portanto, é que - ao contrario do que pensam os religiosos - Jesus nos chama não para jejuarmos e prantearmos; mas para comermos, bebermos e celebrarmos.

FONTE: Hiperatividade Cerebral!