27/12/2009

O Sofrimento na Vida Missionária

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Antonia Leonora van der Meer – Tonica

O sofrimento faz parte da carreira missionária dos que seguem os passos e o ministério de Jesus. Foi assim com nosso mestre e Ele nos advertiu de que também sofreríamos e nos chamou a calcular os custos para ver se estamos dispostos a ir até ao fim (Lucas 9:23, 57-62; 14:25-33). Jesus não facilitou a vida dos seus seguidores.

Hoje estamos acostumados a uma fé evangélica consumista, buscando os cultos e programas e o louvor que mais nos agradam, e o lugar onde podemos obter mais bênçãos com menor custo. Esse não é o caminho da cruz a que Jesus nos convida a andar, seguindo os seus passos.

Não quero buscar intencionalmente o sofrimento, mas se queremos alcançar os perdidos menos alcançados, teremos de servir em selvas, entre grupos que vivem muito longe da civilização, e onde nossa presença vai ser questionada, vamos ter inimigos simplesmente por estarmos ali em nome de Cristo. Teremos de servir entre povos orgulhosos de sua cultura e da sua religião, que as defendem porque representam sua identidade e porque vêem o Cristianismo como imposição do Ocidente capitalista. Teremos de servir entre povos que sofrem os horrores da guerra, que perderam seus entes queridos, crianças traumatizadas que presenciaram a morte violenta de seus pais, pessoas física e emocionalmente estraçalhadas. Teremos de servir em lugares onde o simples interesse em ler ou ter uma Bíblia já pode causar intensa oposição ou mesmo a morte. Temos de reconhecer que de fato causamos algumas reações negativas pela maneira como a missão tem sido feita. Mas a razão maior não é a questão da cultura, mas é porque há uma batalha espiritual, querendo impedir que novos povos ou grupos de pessoas sem Deus e sem esperança venham a descobrir as alegres e boas novas do amor de Deus.

Além disso, teremos de aprender línguas complicadas, mudar nossa forma de viver por outras formas que nos são estranhas, permitir que nossos filhos se integrem e se tornem parte de uma cultura que talvez não nos agrade. Podemos estar servindo com toda dedicação e fidelidade e ser mal-interpretados, questionados, nossa presença ser ressentida porque somos estrangeiros.

Depois vêm as saudades da pátria, da família, da igreja, dos amigos. A preocupação com os pais que estão ficando mais idosos, e precisando de nossa presença. A preocupação constante com a vida e os estudos dos filhos, e com o futuro deles.  Será que estamos lhes prejudicando ao obrigá-los a compartilhar a vida missionária conosco? Vem a solidão e a necessidade de alguém que nos entenda.  Acabamos sendo duplamente estrangeiros, no campo, e talvez ainda mais quando voltamos ao lar – é aí que percebemos o quanto mudamos.  Mesmo nossa família, ou nossos melhores amigos não entendem as coisas que mais ardem em nosso coração.

Será que vale a pena enfrentar tudo isso? Eu creio que sim. Em primeiro lugar porque é muito pouco em resposta àquilo que o Senhor da glória fez para me salvar e me tornar filha amada do Deus Pai. Também porque nossa vocação é aquilo que no fundo mais satisfaz nosso ser, é aquilo para que fomos feitos, nos causa imensa satisfação e alegria estar no centro da vontade de Deus. E ainda cada pequeno fruto, ou broto, ou sinal de vida, quanta alegria nos traz. Como foi bom, quando estava em Angola, depois de meses de debates difíceis com um ou outro marxista convencido, ver como a luz de Deus penetrava sua mente e mudava sua perspectiva e o transformava em filho de Deus, em testemunha do amor de Jesus que o alcançou. Visitando os hospitais com os doentes com pouquíssimos recursos e os feridos da guerra, encontrando muito desespero, e vendo como o amor de Jesus transformava a vida dessas pessoas, lhes dando nova coragem, nova razão para viver, para lutar pelo que é bom e servir aos outros. Ver pessoas que conheci como estudantes secundaristas ou universitários, servindo a Deus e ao próximo com sabedoria, alegria e dedicação… Ver o ministério entre deficientes físicos que comecei a sonhar há anos, sendo desenvolvido sacrificialmente pelos próprios deficientes, com garra e amor. Sim valeu a pena!FONTE:    O Sofrimento na Vida Missionária | O Cuidado Integral de Missionários

MISSÕES: O PREPARO PRÉ-CAMPO

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Antonia Leonora Van der Meer

Ter um chamado missionário é um grande privilégio, e na vida de muitas pessoas começa como uma grande paixão. Querem ir e querem ir já, porque há tantos que se perdem. Estudar muito seria uma perda de tempo.
Eu estou totalmente convencida do contrário. A tarefa é urgente sim, mas isso não significa que devemos ser imediatistas, nem que Deus tenha pressa. Deus se preocupa muito em preparar seu servo da melhor maneira para que se torne instrumento de bênção na hora própria.
A Necessidade de Confirmar a convicção da Vocação.
Não existe chamado a Cristo para a salvação, nem chamado para o discipulado, para o serviço, para a renúncia por amor a Cristo, em resposta grata ao Senhor que sendo rico, santo, glorioso, por amor de nós se fez pobre, vulnerável, pecado. Nesse sentido, o missionário não é diferente de qualquer outro cristão. O Espírito Santo foi dado à igreja, e a todo cristão verdadeiro para nos fazer testemunhas de Jesus Cristo (At 1:8). O que há então de especial no chamado missionário? Como posso saber se eu fui chamado, se a outra pessoa foi chamada?
Até certo ponto se trata de uma experiência subjetiva, no sentido de ser intensamente pessoal, e íntima. Por outro lado precisa de confirmação objetiva, deve haver outros que reconheçam e apoiem esse chamado.
Como a Bíblia nos ajuda para saber se tenho chamado, e para onde ou o quê Deus está me chamando?
Em primeiro lugar mostra que não há 2 chamados iguais, cada pessoa foi chamada de uma maneira especial, mas todos os chamados de Deus eram reconhecíveis e até certo ponto reconhecidos pelos fiéis e obedientes:
• Abraão foi chamado a abandonar sua família e terra e a peregrinar em terra desconhecida.
• Moisés foi chamado quando não mais o desejava, e quando se sentia menos capacitado e apesar de ter sido rejeitado pelo povo quando tentou ajudar.
• Davi, quando não pensava em nada além de sua tarefa de cuidar das ovelhas do pai;
• Samuel, quando era menino pequeno, consagrado pela mãe;
• Jeremias, como jovem sensível e tímido;
• Isaías, como pessoa marcada pela visão da glória de Deus;
• Neemias, porque foi sensibilizado com o sofrimento do seu povo, foi chamado a deixar o luxo e conforto da corte e a se identificar com um povo que vivia em circunstâncias simples, difíceis, e muita insegurança;
• Amós foi tirado de sua labuta no campo para levar a palavra de Deus ao reino do Norte que vivia em plena rebelião contra o Senhor, adorando falsos deuses e cometendo todo o tipo de injustiças sociais;
• Jonas, que não tinha o menor interesse na salvação dos assírios, foi enviado e usado por Deus para salvar a cidade que quer ver destruída;
• Pedro, quando reconheceu ser um pecador indigno, e Deus foi quebrando sua inconstância e seus preconceitos e tornando-o um instrumento para a salvação de muitos;
• Mateus, trabalhando na desprezada coletoria;
• Paulo, em plena tarefa de perseguir a igreja… Paulo o judeu extremamente zeloso e defensor das suas tradições tornou-se o instrumento de Deus para escancarar a porta da salvação para os gentios.
O que havia em comum é que uma vez chamados, esses homens de Deus não podiam se calar, e continuar seus caminho como se nada tivesse havido.
Nem todo o chamado é para missões transculturais, mas toda igreja deve comprometer-se com essa tarefa que Jesus lhe transmitiu. Isso faz parte da própria natureza e propósito básico da Igreja. E toda pessoa chamada deve ter o apoio e a confirmação da sua igreja, de líderes cristãos amadurecidos. Caso sua igreja local não tenha ainda visão missionária, você pode ser um instrumento para despertá-la e haverá outros “pais na fé” que reconhecerão o seu chamado. (Veja o caso de Barnabé, enviado pela igreja de Jerusalém; e Paulo e Barnabé, enviados pela igreja de Antioquia).
Uma pessoa chamada por Deus não vive em paz enquanto não obedece a esse chamado, e sentirá alegria e satisfação na obediência, recebendo o amor e a compaixão de Deus pelo povo a quem deve servir. Estará disposta a abrir mão de vários projetos/ambições pessoais para colocar a obediência ao chamado em primeiro lugar. Isso não significa que imediatamente seus problemas, suas fraquezas e ambições serão eliminadas. Como todos os demais cristãos ele também é muito influenciado pela sua cultura e contexto, e precisará de muita graça e muita paciência de Deus, além de um bom treinamento apropriado, para aprender a desenvolver as atitudes mais próprias (veja o caso da preparação de Pedro para sua visita a Cornélio).
O chamado para servir a Deus através da nossa profissão é tão válido e espiritual quanto o de deslocar-se a outras terras. Enquanto há cidades com excesso de profissionais no Brasil, há outros lugares com grande carência. Porque não nos oferecemos a ir aos interiores carentes de nossa terra? Ou para servir aos menores carentes ou outros grupos marginalizados nas grandes cidades?
Algumas correntes de pensamento dizem que o importante é saber para qual ministério você foi chamado, você precisa verificar seus dons, seu treinamento, etc. e então definir onde poderá melhor servir. Tem muito de verdade nisso. Nem toda a pessoa tem as qualificações e dons apropriadas para todo o tipo de ministério, Deus deu capacidades diferenciadas para os membros do corpo. E normalmente um chamado missionário não é para começar a fazer aquilo que nunca fiz, mas para fazer aquilo que já estou fazendo em outro contexto específico. Por outro lado, há um perigo de ser muito rígido nessa concepção, de chegar ao campo e de não estar disposto, disponível para fazer aquilo que é necessário, que se espera de nós, porque somos especialistas em nossa própria área. Uma das qualificações importantes para o campo é a flexibilidade. Ouvi uma vez um missionário dizer que precisavam de mais “generais” no campo, i.e. pessoas dispostas a servir em “generalidades”.
Outros enfatizam muito a questão do local do chamado. O missionário em treinamento deve saber para onde foi chamado, se não o souber negam que haja chamado. Alguns mentalizam um lugar porque não agüentam a pressão de ser alguém que não sabe; outros sofrem agonias tentando saber, decidir. Eu creio que em muitos casos Deus dirige o vocacionado para um determinado lugar, mas essa direção vem na hora que Ele achar conveniente. O importante é estar disponível, e andar de acordo com a luz que já recebemos. E buscar informações sobre campos, agências, possibilidades e necessidades, num processo de oração e confiança. Na hora certa o missionário poderá tomar sua decisão com toda a confiança.
Porque essa convicção é tão importante? Porque sem ela é muito fácil desanimar ou desistir no meio do caminho, mas quando temos uma forte e profunda convicção de chamado teremos mais disposição a resistir, com a ajuda e a graça de Deus.
Qualidades básicas do missionário:
Aquilo que somos é mais importante do que aquilo que falamos ou fazemos. Deus procura um relacionamento mútuo de amor com seus filhos redimidos. E é nossa maneira de ser, de relacionar-nos com as pessoas que tornará nossa mensagem aceitável ou não às pessoas. Por isso a qualificação essencial é que sejamos marcados pela presença de Jesus em nossas vidas, que as pessoas reconheçam em nós o seu amor, sua graça, sua verdade.
Para que isso aconteça precisamos andar com Ele, estar como Ele, como foi o caso dos primeiros discípulos. Permitir que sua vida cresça em nós, que comecemos a ver o mundo e as pessoas com os olhos compassivos e justos dele. A Bíblia tem pouco a dizer sobre métodos missionários e muita ênfase na intimidade com Deus. Que Deus nos dê esse coração de procurar desenvolver a intimidade com Ele, muito mais do que a eficiência ou a quantidade de nossas obras feitas para ele (Mc 3:13-15; Jo 4:23; Ex 33 e 34:1-9). Moisés não aceitou a oferta da terra, e de um anjo poderoso como guia protetor - recusou-se a dar mais um só passo se Deus não estivesse pessoalmente com eles. E quanto mais intimidade alcançou, mais cresceu o seu desejo de uma intimidade mais profunda. Se não desejamos aprofundar a intimidade com Deus é porque ainda sabemos muito sobre Deus, mas conhecemos pouco a Ele.
O Treinamento Missionário
Quando Deus me convenceu de que eu tinha um chamado para o ministério transcultural, através de todo um processo, eu pedi: “Senhor, dê-me a oportunidade de receber uma boa formação”. Naquela época (l979) ainda havia poucas opções no Brasil, e comecei a fazer pesquisas, e fiquei convencida que o All Nations Christian College seria o lugar indicado. Quase todos os alunos (de todos os continentes) são profissionais, e todos os professores tem 5 anos ou mais de experiência em ministério transcultural. Realmente foi uma experiência muito rica, que me deu não apenas uma boa base bíblico-teológica, mas um excelente preparo para servir e trabalhar num contexto transcultural. Como isso me valeu no campo, em Angola e Moçambique! Não vou dizer que não cometi erros ou enganos, mas eu tinha uma boa base até para superá-los através do diálogo, e para procurar sempre entender e valorizar uma cultura diferente da minha.
Na Angola eu convivi com meus amigos missionários brasileiros, a maioria dos quais tinha uma boa formação bíblico-teológica, mas faltava qualquer preparo transcultural. Sofriam muito, desnecessariamente, porque não tinham sido preparados para esse confronto e integração a uma cultura diferente. Alguns cometeram erros graves por essa falta de preparo. Fiquei convencida do quanto é indispensável um treinamento apropriado, e fiz o meu mestrado com esse objetivo, de me tornar um instrumento nas mãos de Deus para contribuir com o preparo de outros missionários brasileiros. E é o que estou fazendo em Viçosa, no CEM, nos últimos 4 anos, depois de 10 anos de experiência abençoada no campo.
Percebo que muitos vocacionados tem pressa demais, e sempre procuro mostrar a importância de um bom preparo, que dá muito mais fruto a médio e longo prazo. Esse preparo inclui uma boa base bíblico-teológica, matérias missiológicas (vida missionária, contextualização, antropologia cultural, teologia bíblica de missão, fenomenologia da religião e outras); e uma boa base de experiência prática – ministério na igreja local, ministério com comunidades carentes, ministério transcultural (em tribos, grupos étnicos minoritários, ou outros países latinos): além de um preparo na vida devocional e na batalha espiritual, um bom conhecimento pelo menos do inglês, e muitas vezes de outra(s) língua(s).
O preparo não é algo diferente da própria vida missionária, o preparo já é vida missionária. Se os queridos vocacionados e suas igrejas compreenderem isso, vai ser uma grande ajuda.

Fonte: http://www.familiamatiol.com.br/

VIA:    Veredas Missionárias: Missiologia