07/10/2009

A VIDA MISSIONÁRIA E A REALIDADE PESSOAL


Quando a minha amiga missionária Daniela esteve nos visitando, aproveitei para colocarmos a nossa conversa em dia. Falamos acerca de muitas coisas. Uma das mais interessantes foi sobre a sua vida pessoal. Hoje ela trabalha no interior do Rio Grande do Sul, num ministério itinerante de evangelização. E ela me contou um lado muito peculiar de sua experiência missionária, que ora transcrevo, com a devida permissão dela:

Recentemente, quando estava conversando com um amigo, ele afirmou para mim:
---Você sabe que, como missionária, foi chamada para ficar solteira o resto da vida, não é?
--- Não, eu fui chamada pelo Senhor para ir ao campo missionário, e lá trabalhar para Ele! Parte dessa vida é solitária, ou, como você prefere chamar, é solteira.

Sim, por enquanto fui chamada para fazer a obra de Deus solitária. Eu sei que isto não será por muito tempo, pois eu desejo me casar ( no tempo que Deus preparar). E já que a minha vida está nas mãos de Deus, eu confio que Ele providenciará todas as coisas de que eu necessito; sei que tudo cooperará para o meu bem. Isso faz com que eu seja uma missionária solitária. Gerações inteiras de missionárias, antes de mim, passaram pelo que eu estou passando. Jamais me acostumei com a solidão, mas algumas coisas boas posso extrair dela...
Pois bem, desde pequena ouvia que, quando crescesse, casaria com um príncipe e seria “feliz para sempre”. Infelizmente o príncipe virou um sapo de brejo... mas essa é outra história. O que importa é que, num determinado momento da minha vida Deus me fez uma proposta:
---Você quer ficar e tentar, novamente, ter a vida que sonhou, ou Me acompanhar numa nova aventura? Sabe, o campo é grande e os ceifeiros são poucos...O que acha?
O sangue desbravador corre nas minhas veias, e naquela hora ele ferveu...
Enquanto decidia, falando “Sim!”, para Deus, parecia que falava “Não!” para uma vida de casada, de trabalho, de prestações mil, numa grande metrópole, essas coisas de gente ( que o mundo considera) “normal”.
Parece que escolhi entre desistir dos meus sonhos mundanos e me embrenhei numa nova aventura espiritual. Aventura essa ( aos olhos terrenos) incerta, em que só contaria com a suficiente graça do nosso Deus.
Não posso subestimar o significado de tal decisão. No momento em que nós, missionários, tomamos este rumo, sabemos que estamos sendo obedientes em seguir a Cristo, e isso é o mais alto conceito de liberdade; mas viver com os desdobramentos desta decisão é outra coisa!
Quando cheguei ao campo missionário percebi que muitos missionários eram casados. O povo do lugar também se casava antes dos 21 anos, com raríssimas exceções. Assim, eu era a “diferente” neste meio.Todos os outros missionários e missionárias eram bem mais jovens do que eu, o que acentuava o fato de eu “ser solitária”.
Um dos maiores desafios que uma pessoa solitária enfrenta no campo missionário é o fato de você estar sozinha, de uma forma que ninguém imagina exatamente como é. Você não tem ninguém, que conviva com você, que realmente saiba quem você é; que possa confortá-la nos momentos de estresse, e que pode lhe assegurar que você não está ficando louca! ( às vezes isso passa por nossa cabeça, sim). Isso faz com que você se sinta mal-compreendida. Parece que as pessoas só enxergam os seus defeitos, não suas qualidades.
O pior de tudo é não poder compartilhar das questões ministeriais, aquelas mais delicadas. Há a necessidade de falar das coisas espirituais, das dúvidas, dos questionamentos, dos aconselhamentos. Mas, com quem? É grande a falta, no campo missionário, de mentores.
Mas há um lado infinitamente prazeroso em estar solitária no campo. Podemos nos envolver com a cultura local, sem ter que nos preocupar com as coisas cotidianas da vida de um casal.
Outra coisa, no campo precisamos conhecer pessoas, e jamais ficamos de braços cruzados em casa. Não há opção: temos de sair, ganhar almas e discipulá-las para o Senhor.
Numa certa ocasião passei um mês na minha cidade natal, visitando as igrejas locais, alguns irmãos e familiares. Um dia, na estrada, ouvi uma música, que dizia assim: “Você é o meu lar”. A letra tinha o seguinte refrão: “ Nunca serei um estranho e nunca serei só. Onde quer que estejamos juntos, este será o nosso lar”...
Um dos momentos mais constrangedores do ministério missionário é quando você sente que não pertence a nenhum lugar e a nenhuma pessoa. Só quem vive este sentimento entende o que eu estou falando. O mundo é o lugar do missionário...e o mundo é vasto!
Mas dá para explicar um pouco... Quando revi meus amigos e parentes, e participei do seu dia-a- dia na metrópole, me senti deslocada. A vida deles contrastava radicalmente com a minha. Minhas necessidades eram outras. Não, jamais trocaria a minha vida pela deles. Deus me preparou na vida para viver assim, desapegada, e com valores diferentes.
Concluindo, sinto que Deus pôs algo dentro de mim que me faz sentir bem onde estou, do jeito que sou. Jamais me imaginei vivendo a vida que as minhas amigas e parentes casados vivem. Sinto que uma parte de mim morreria se eu não tivesse tomado a decisão de me aventurar, viver noutras culturas, amar as almas de povos que nunca imaginei amar, levando o amor de Cristo para cada uma delas. E quando comprovo a obra de Deus sendo feita nesses lugares, choro de alegria pela convicção do meu chamado.
Todo missionário é mal-compreendido, mas há um Deus que nos compreende.
Eu realmente tenho de olhar para trás, para os meus anos de casada, e agora de solitária, e agradecer a Deus por cada um deles. Nesta solidão eu cresci em Cristo. Desta solidão tirei grandes lições: aprendi, capacitada pelo próprio Deus, a acompanhá-Lo melhor nesta graciosa e excitante aventura.
Sei que os ventos de Deus soprarão novamente, e Deus me levará para outras terras, outros lugares. Pois para Deus não existem outros países ( falo de fronteiras geográficas), existem milhares de almas a serem ganhas para Cristo. Agora, quando Ele providenciar um marido para mim, para desfrutar desta aventura comigo, um marido preparado pela Sua graciosa mão...será ma-ra-vi-lho-so, não acha, caro leitor? O Deus que sirvo está preparando uma pessoa especial, feita só para mim, Deus sabe o que faz, e nEle espero!


Por Alzira Sterque

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