Artigo extraído da revista Ultimato, nº 261, nov-dez/1999
“Em 1809 nasceram duas crianças especiais no Reino Unido; uma em Shrewsbury, na Inglaterra, e outra em Mount Florida, na Escócia. A primeira chamava-se Charles e a segunda, Robert. Este era 7 meses mais novo que aquele. Charles era filho de uma família muito culta e Robert, de uma família muito rica.
Os dois rapazes talvez nunca tenham se encontrado. Ambos, porém, foram estudar medicina na Escócia no mesmo ano, em 1825, obviamente com a mesma idade (16 anos), Charles na Universidade de Edimburgo e Robert na Universidade de Glasgow. Logo depois de formados, ambos fizeram longas viagens em navio a vela no exercício de suas profissões, Charles, como naturalista, e Robert, como médico de bordo. O primeiro embarcou no Beagle pouco antes de completar 23 anos e deu uma volta ao mundo: atravessou o Atlântico, contornou os dois lados da América do Sul, atravessou o Pacífico, passou pela Oceania, atravessou o Índico, contornou o Sul da África, atravessou outra vez o Atlântico e retornou à Inglaterra. A viagem durou quase 5 anos (dezembro de 1831 a outubro de 1836). Robert embarcou no Upton Castle com 20 anos incompletos e foi até Bombaim, na Índia. Os dois ficaram impressionados com algumas cenas chocantes que viram durante a viagem. Charles ficou chocado com a situação social dos nativos da Austrália e Nova Zelândia, transformados em escravos pelos próprios colonizadores europeus. E Robert, com as aberrações sociais da Índia. Tanto um como o outro se casaram em 1838, com 29 anos; Charles, com Emma, e Robert, com Margareth.
Não obstante tanta coincidência, os dois britânicos eram religiosamente diferentes. Depois de abandonar o curso de medicina (tinha pavor das cirurgias), Charles matriculou-se na Universidade de Cambridge para estudar a Bíblia e tornar-se clérigo (1828). Não tinha, então, a menor dúvida quanto à verdade absoluta e literal de cada verso das Escrituras Sagradas. Já Robert foi se desfazendo da bagagem religiosa recebida no lar (a família desejava muito que ele estudasse teologia e se fizesse pastor) até se tornar ateu. Passou a ter aversão e repugnância às leis do Criador, o que o deixava mais em liberdade para satisfazer todos os desejos que lhe viessem ao coração, sem temer as conseqüências e penalidades.
Aconteceu, porém, que os dois moços experimentaram mudanças religiosas na década de 1830, quando tinham vinte e poucos anos. Charles desistiu da carreira eclesiástica, formou-se em artes e tornou-se agnóstico. Robert renunciou a sua incredulidade e passou a ter profundo respeito por Deus. O que levou Charles a abandonar a fé foram as suas pesquisas científicas. O que levou Robert a abraçar a fé foi o testemunho de uma paciente muito enferma e muito pobre que enfrentava com incrível serenidade o sofrimento e a morte (1835).
A partir dessas diferentes experiências revolucionárias, Charles e Robert tornaram-se notáveis, cada um em sua área. O primeiro tornou-se cientista. O segundo tornou-se médico-missionário. O trabalho de Charles levou muita gente a desacreditar da autoridade das Sagradas Escrituras. O trabalho de Robert levou muita gente a gostar de ler a Bíblia e de praticar suas normas de fé e conduta.
Quando Robert se converteu, Charles estava ainda a bordo do Beagle. Quando Charles publicou, em 1839, o seu primeiro livro — Relatório de pesquisas em história natural e geologia dos países visitados durante a viagem ao redor do mundo no Beagle — Robert foi ordenado pastor presbiteriano [1] em Londres. Ambos estavam, então, com 30 anos.
Depois de sua longa viagem, Charles se dedicou à pesquisa e aos livros, quase todo o tempo em Down, no condado de Kent. Teve cinco filhos. Depois de sua conversão, Robert estudou teologia e se tornou missionário-médico na Ilha da Madeira (1838-46) e no Brasil (1855-76). Casado duas vezes, nunca teve filhos.
Charles morreu em abril de 1882 com a idade de 73 anos. Robert morreu 6 anos depois, em janeiro de 1888, com 79. O primeiro está sepultado na Abadia de Westminster, em Londres, e o segundo, no modesto Dean Cemitery, em Edimburgo.
O nome completo do naturalista é Charles Darwin. O nome completo do missionário-médico é Robert Reid Kalley. O primeiro é mais conhecido por sua teoria da evolução, que causou uma revolução na ciência biológica, mediante a publicação de seu mais importante livro Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural, há 140 anos. O segundo é mais conhecido por ser o primeiro missionário protestante a se radicar no Brasil, dando origem a duas denominações brasileiras: Igreja Evangélica Congregacional do Brasil [2] e Igreja Cristã Evangélica do Brasil.
Segundo o testemunho do Duque de Argyle, Charles Darwin nunca se livrou de certos conflitos íntimos, mesmo com a leitura da Bíblia e as orações da esposa, que era cristã”.
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[1] Kalley, apesar de ser membro da Igreja da Escócia (Presbiteriana), não foi ordenado pastor presbiteriano. Ele foi ordenado por um grupo de pastores de diferentes denominações em Londres a fim de poder exercer plenamente o ministério que já vinha realizando na ilha da Madeira (Portugal). Sua ordenação por parte desses pastores o deixaram sem vínculos denominacionais.
[2] O nome correto da denominação é União das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil
CategoriasOutros Tags:Charles, criação, criacionismo, Cristianismo, Darwin, Deus fé, evolução, evolucionismo, igreja congregacional, Kalley, missionário, Reid, RobertFONTE: O naturalista e o missionário: Charles Darwin e Robert Kalley « Anderson Paz
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