A igreja evangélica dos nossos dias aceita a graça na teoria, mas nega-a na prática. Dizemos acreditar que a estrutura mais fundamental da realidade é a graça, não as obras. Mas nossa vida refuta a nossa fé.
De modo geral o evangelho da graça não é proclamado, nem compreendido, nem vivido. Um número grande demais de cristãos vive na casa do temor e não na casa do amor. Nossa cultura tornou a palavra graça impossível de compreender.
Repercutimos frases de efeito como:
· Nesta vida nada é de graça;
· Cada um acaba ganhando o que merece;
· Quer dinheiro? Vá trabalhar;
· Quer amor? Faça por merecer;
· Quer misericórdia? Mostre que é digno dela;
· Faça aos outros antes que lhe façam;
· Observe as filas nos órgãos assistenciais, os mendigos preguiçosos nas ruas, a merenda grátis nas escolas, os estudantes ricos com bolsas do governo: só os trapaceiros se dão bem;
· Sem dúvida, dê a cada um o que merece, e nem um centavo a mais.
Minha editora contou-me que ouviu certa vez um pastor dizendo a uma criança: “Deus ama os bons meninos”. À medida que ouço sermões com ênfase definida no esforço pessoal “toma lá, dá cá”, fico com a impressão que uma espiritualidade “faça-você-mesmo” é a nova onda americana.
Embora as Escrituras insistam que é de Deus a iniciativa na obra da salvação que “pela graça somos salvos”, freqüentemente nossa espiritualidade começa no eu, não em Deus. A responsabilidade pessoal substituiu a resposta pessoal. Falamos sobre adquirir a virtude como se ela fosse uma habilidade que pudesse ser desenvolvida, como uma bela caligrafia ou um bom gingado numa tacada de golfe. Nas épocas de penitência, nosso foco é superar nossas fraquezas, livrarmo-nos de nossos entraves e alcançarmos a maturidade cristã. Transpiramos debaixo de diversos exercícios espirituais como se eles fossem concebidos para produzir um Mister Universo cristão. Embora algum elogio nominal seja dirigido ao evangelho da graça, muitos cristãos vivem como se fossem apenas a sua disciplina pessoal e sua autonegação que deverão moldar o perfeito eu. A ênfase é no que eu estou fazendo em vez de no que Deus está fazendo. Nesse processo curioso, Deus é um espectador velhinho e benigno que está ali para torcer quando compareço para minha meditação matinal. Transferimos a lenda de Horatio Alger sobre o homem que venceu pelos seus próprios esforços, o self-made man, para nosso relacionamento com Deus.
Quando lemos no salmo 123: “Como os olhos dos servos estão fitos nas mãos dos seus senhores, e os olhos da serva, na mão de sua senhora”, experimentamos uma vaga sensação de culpa existencial. Nossos olhos não estão fitos em Deus. No fundo somos pelagianos praticantes. Cremos que somos capazes de nos erguermos do chão puxando nossos próprios cadarços . que somos, de fato, capazes de fazê-lo sozinhos. Mais cedo ou mais tarde somos confrontados com a dolorosa verdade da nossa inadequação e da nossa insuficiência. Nossa segurança é esmagada e nossos cadarços, cortados.
A palavra graça, em si, tornou-se banal e desgastada pelo mau uso e pelo uso em excesso. Ela não mexe conosco da mesma forma que mexia com nossos ancestrais cristãos. Em alguns países europeus, certos oficiais eclesiásticos de alto escalão são ainda chamados de “Sua Graça”, Jornalistas esportivos falam da ”graça fluente” de Michael Jordan, e já foi dito do empreendedor Donald Trump que ele “carece de graça”. Surge um novo perfume com o rótulo “Graça”, e um boletim de estudante é chamado de “desgraça”. A palavra perdeu o seu poder criativo latente.
Fyodor Dostoievski capturou o choque e o escândalo do evangelho da graça quando escreveu: No último julgamento Cristo nos dirá: Vinde, vós também! Vinde, bêbados! Vinde, vacilantes! Vinde, filhos do opróbrio! E dir-nos-á: Seres vis, vós que sois à imagem da besta e trazem a sua marca, vinde porém da mesma forma, vós também!. E os sábios e prudentes dirão: Senhor, por que os acolhes? E ele dirá: Se os acolho, homens sábios, se os acolho, homens prudentes, é porque nenhum deles foi jamais julgado digno. E ele estenderá os seus braços, e cairemos a seus pés, e choraremos e soluçaremos, e então compreenderemos tudo, compreenderemos o evangelho da graça! Senhor, venha o teu reino!”
Creio que a Reforma realmente começou no dia em que Martinho Lutero orou sobre o significado das palavras de Paulo em Romanos 1:17: “visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé.” Como muitos cristãos dos nossos dias, Lutero se debatia noite adentro com a questão fundamental: de que forma o evangelho de Cristo podia ser realmente chamado de Boa Nova, se Deus é um juiz justo que retribui aos bons e pune os perversos? Será que Jesus veio realmente revelar essa terrível mensagem? De que forma a revelação de Deus em Cristo Jesus podia ser acuradamente chamada de “Nova”, já que o Antigo Testamento defendia o mesmo tema, ou de “Boa”, com a ameaça de punição suspensa como uma nuvem escura sobre o vale da história?
Eis aqui uma revelação fulgurante como a estrela da manhã: Jesus veio para os pecadores, para aqueles tão marginalizados quanto cobradores de impostos e para os enredados em escolhas sórdidas e sonhos desfeitos. Ele vem para executivos de corporações, sem-teto, superastros, fazendeiros, prostitutas, viciados, fiscais do Imposto de Renda, vítimas da AIDS e até mesmo vendedores de carros usados. Jesus não apenas conversa com essa gente, mas janta com eles, plenamente consciente de que sua comunhão à mesa com pecadores fará erguer as sobrancelhas dos burocratas religiosos que ostentam seus paramentos e a insígnia da sua autoridade para justificar a sua condenação à verdade e sua rejeição ao evangelho da graça.
(...)
A Boa Nova significa que podemos parar de mentir a nós mesmos. O doce som da graça admirável nos salva da necessidade do auto-engano. Ele nos impede de negar que, embora Cristo tenha sido vitorioso, a batalha contra a lascívia, a cobiça e o orgulho ainda ecoa dentro de nós. Na condição de pecador redimido, posso reconhecer com qual freqüência sou insensível, irritável, exasperado e rancoroso com os que me são mais próximos. Quando vou à igreja, posso deixar meu chapéu branco em casa e admitir que falhei. Deus não apenas me ama como eu sou, mas também me conhece como sou. Por causa disso não preciso aplicar maquiagem espiritual para fazer-me aceitável diante dele. Posso reconhecer a posse de minha miséria, impotência e carência.
(...)
Desejamos uma espiritualidade permanentemente vigorosa, espiritualidade de caixa automática, e tentamos cultivar determinada virtude em determinado momento do tempo. Prudência em janeiro, humildade em fevereiro, bravura em março, temperança em abril. Provemos fichas de desempenho para avaliar ganhos e perdas. As perdas podem ser minimizadas se você contribuir para obras de caridade em maio. Algumas vezes maio nunca chega. Para muitos cristãos, a vida é um longo janeiro.
(...)
E para finalizar...
A voz então diz: “[Eles] lavaram suas vestiduras e as alvejaram no sangue do Cordeiro”. Ali estão eles. Ali estamos nós, a multidão que queria ser fiel, que foi por vezes derrotada, maculada pela vida e vencida pelas provações, trajando as roupas ensangüentadas pelas tribulações da vida, mas, diante de tudo isso, permaneceu apegada à fé.
Meus amigos, se isso não lhes parece boa nova, vocês nunca chegaram a compreender o evangelho da graça.
Extraído do Livro O EVANGELHO MATRAPILHO, de Brennan Manning
JESUS E AS CRIANÇAS - Lucas 18.15-17
-
Por Pr Silas FigueiraTexto base: Lucas 18.15-17INTRODUÇÃOJesus, após a sua
ressurreição, disse para Pedro quando o confrontou no mar de Tiberíades:
“Apasce...
Há 4 dias