Era uma vez uma família de valdenses, que migraram da Itália para o Brasil. Ao chegar, a expressão religiosa mais próxima que encontraram em São Paulo foi a igreja metodista.
Uma das moças da família casou-se com um alfaiate também italiano, que suspeita-se seja de origem judaico-polonesa, emigrado para a região mais tolerante do império austro-húngaro. Desse matrimônio sui-generis nasceu minha avó materna. Aqui, a foto da italianada.
A jovem que se tornaria minha avó conheceu na igreja metodista o jovem que se tornaria meu avô. Ele tinha vindo de caminhão do Ceará para São Paulo, ainda muito pequeno. Era seminarista. Expulso do seminário metodista por algum daqueles atos de intolerância que só os evangélicos são capazes de perpetrar, mudou para o seminário presbiteriano, no qual se formou e posteriormente veio a ser ordenado pastor.
Foi pregador itinerante pelos interiores de Paraná e Santa Catarina, andando em lombo de cavalo para pregar sua confissão de fé, em lugares onde muitas vezes o mencionar ser evangélico implicava em risco de vida.
O casal terminou a vida em Belo Horizonte, onde criaram os 8 filhos, e onde meu avô acabou conciliando a vida de pastor com o curso de direito e uma carreira no antigo Banco da Lavoura, e depois na CEMIG.
Minha mãe era uma jovem presbiteriana dedicada, professora de escola dominical e regente de coral da igreja.
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Cai o pano.
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Na década de 1890 chegou no Paraná uma família de tiroleses austríacos num navio. Estavam nele dois irmãos, sobrenome Egg, um deles o sapateiro Roman. Seu filho mais novo, o primeiro a nascer no Brasil, foi meu bisavô.
Meu bisavô converteu-se ao protestantismo depois de adulto, imagino que já era casado, pelo que apurei nas histórias que meus avós contavam. Algum missionário presbiteriano circulando pela cidade, propôs à família o estudo da Bíblia. Foram consultar o padre, para saber como deveriam proceder. Este, ao saber da investida da confissão concorrente, teve um acesso de raiva, jogando a Bíblia ao chão.
A reação chocou o casal, que acabou aceitando estudar a Bíblia com o pastor, mudando-se para a Igreja Presbiteriana Independente. A mudança foi tão traumática para a família, que muitos parentes nunca mais lhes dirigiram palavra, inclusive a mui católica mãe de minha bisavó.
Criaram os filhos como presbiterianos piedosos. Vários foram presbíteros da igreja. Um deles foi cantor de hinos, razoavelmente famoso, consta que com mais de 30 discos gravados. (Isso pelos idos da década de 1950.)
Um tio-avô, médico, foi fundador e diretor do Hospital Evangélico de Curitiba.
Nesta família nasceu meu pai, que não foi, pelo que me consta, exatamente um “jovem presbiteriano piedoso”. Mas que deve ter tido suas crises de consciência na juventude, quando parece que resolveu se engajar mais efetivamente na fé, segundo os moldes de uma instituição para-eclesiástica fundamentalista que então começava a estender suas garras no Brasil: o grupo Palavra da Vida.
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Cai o pano.
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Meu pai e minha mãe se conheceram num congresso de jovens da igreja presbiteriana.
Casaram-se, minha mãe veio morar em Curitiba.
Meu pai decidiu tornar-se aluno interno do antigo Instituto Bíblico Palavra da Vida, em Atibaia-SP.
Saiu de lá formado pastor, mas com dificuldades para assumir alguma igreja, em parte devido ao preconceito das denominações tradicionais com os grupos para-eclesiásticos.
Enquanto meu pai morava em Atibaia, a família em Curitiba fazia parte de um grupo discidente que rompeu com a Igreja Presbiteriana Independente. A dissidência foi em lealdade a um pastor vilipendiado naquele tipo de disputa política que é comum nos bastidores dos púlpitos evangélicos.
Passei a primeira infância em Atibaia, dentro do seminário, onde inclusive comecei minha vida escolar.
Fui educado com todo o rigor do fundamentalismo, coisa que nem duas vidas inteiras de terapia serão capazes de amenizar.
Cersci numa igreja presbiteriana em Curitiba, depois passei a adolescência em sucessivos grupos neo-pentecostais para o qual meus pais migraram. Um deles foi a Comunidade Sara a Nossa Terra, onde até hoje está um de meus irmãos.
Abandonei o convívio eclesiástico, salvo da loucura iminente por um grupo de ótimos amigos que formei nos gloriosos tempos de curso técnico no CEFET-PR.
Quase descambando para o alcoolismo e a vida noturna, já estudante de música, conheci a que hoje é minha esposa. Voltei para o convívio eclesiástico, desta vez numa igreja que nunca tinha conhecido. Os chamados “irmãos”, ou “igreja cristã”, ou “casa de oração” - coisas típicas de grupos que julgam-se a única igreja verdadeira. A convivência numa igreja local menos restritiva que as que eu tinha crescido, junto com a leitura da revista Ultimato, me abriram outras perspectivas de fé cristã.
Depois de casados, escolhemos ambos congregar na Igreja Batista, onde até hoje somos membros. Foi onde achamos a melhor possibilidade de exercer uma fé um pouco mais equilibrada, em relação aos grupos eclesiásticos nos quais tínhamos ambos passado a infância e juventude. Devo estar à beira de ser excluído, pois não sou lá muito assíduo. Pior que isso, não confesso mais o que eles chamam de “sã doutrina”, estou eivado de heresias.
Porque cursei o mestrado em História e, apesar de ter escrito uma dissertação sobre música e política no Brasil das décadas de 1940 e 50, acabei sendo professor de História do Cristianismo na Faculdade Teológica Batista do Paraná.
Nas pesquisas para preparar a disciplina, e no contato com os colegas da Instituição, minha fé acabou se renovando totalmente. O estudo crítico, obrigatório no ensino superior reconhecido pelo MEC, o uso de documentação e bibliografia confiável (ao invés da literatura apologética que constitui o único tipo de leitura incentivada aos evangélicos) acabou levando a uma ruptura conceitual com a ortodoxia e a tradição eclesiásticas que se praticam entre os grupos evangélicos no Brasil.
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Depois dessa tragetória, por achar que a divulgação de um estudo mais sério da História do Cristianismo pode ajudar muita gente em suas buscas por uma caminho de fé que não seja totalmente anti-intelectual, resolvi iniciar um blog especializado.
FONTE: Minha história com o cristianismo e a história do cristianismo | Um drible nas certezas
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