Estou voltando de férias hoje. A notícia está comigo há cinco dias. Queima-me o peito, faz-me arder uma surda tristeza e um ódio assassino.
A minha pergunta tem sido por quê? Por que, Senhor, por que tem que ser assim? Acaso será isso "destino"? Eu não creio no destino, não no destino dado por um Deus. Costumo dizer que se houvesse destino dado por Deus, Deus seria um formidável patife. Ele estaria a distribuir "roteiros" diferenciados entres seus filhos... Uns seriam bonitos, outros feios. Uns ricos, outros pobres. Uns saudáveis, outros doentes... E desses destinos não poderíamos fugir. Que Deus seria esse, o que teríamos feito para receber tão diversos e maléficos destinos? Não, não creio num destino divino.
A notícia que me arde o peito era uma das minhas histórias favoritas, eu a contava com ênfase nas minhas palestras em escolas. Uma história de superação pessoal, de lutas, de fé e de vitória. Vitória?
Conto em minhas palestras a história de Alcides Nascimento Lins, 22 anos, negro e muito pobre. Conto? Contava. A história morreu.
Soube do Alcides no Globo Repórter. Maria Luíza, a mãe dele, é papeleira no Recife, com os papéis velhos que recolhe alimenta a casa e educa os filhos. E que educação! Três filhos, Alcides e duas irmãs.
Alcides estudou em colégio público, na preparação para o vestibular pesquisava na velha Biblioteca Municipal do Recife, sem ajuda de ninguém senão da mãe. Sem cota, sem bolsa de estudos, sem nada, a vontade, a decência e a força da mãe.
A cama do Alcides foi feita com madeiras velhas juntadas pela mãe nas hora de folga. A casa é de chão batido, uma única janela e um velho galo branco ciscando por perto.
Alcides passou no vestibular de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco. Passou? Foi o primeiro colocado geral no vestibular. Fazia estágio num hospital de Recife, seria médico este ano.
Seria. Alcides foi assassinado por engano com dois tiros na cabeça. Isso é justo? É justo, Senhor? O que fez o Alcides para morrer como morreu? Maria Luíza, a mãe papeleira, fez-me chorar muito ao vestir, no sepultamento do filho, o jaleco branco que ele usava no hospital onde era estagiário.
Que ódio assassino eu sinto por quem matou o Alcides, o meu exemplo e o exemplo dos pobres, dos decentes, dos que lutam para vencer e vencem sem ajudas. Pobre Alcides! Pobre Maria Luíza! O que te poderá consolar, querida mãe. Penso que nada. Só a dor.
Veja a reportagem do Fantástico sobre a morte de Alcides clicando no link : Por que, Senhor? (Luiz Carlos Prates) |
uiz Carlos Prates
Nenhum comentário:
Postar um comentário
A boca fala do que está cheio o coração.