08/01/2009

MISSÕES...UMA PAIXÃO

 j0439246

Estou lendo o Confissões de um Pastor, do Caio Fábio. e encontrei um trecho bem interessante, onde ele vai à aldeia de uma tribo no amazonas e por lá fica uns dias. Transcrevo abaixo (é longo, mas bem interessante):

 Quando eu cheguei aqui, não sabia nada sobre os yscarianas. Vim apenas porque queria
aprender a língua deles e traduzir a Bíblia para o idioma. Quando chegamos, eles nos receberam
com tranqüilidade. Não sabíamos como nos comunicar, mas percebemos que eles eram
diferentes, nos traziam comida e riam muito para nós. Um dia, quando eu estava escovando os
dentes na beira do rio, um indiozinho veio e ficou bem ao meu lado, olhando-me enfiar aquela
escova na boca e mexer de um lado para o outro. Fiquei sem graça. Levantei, olhei para o rio e
decidi assobiar um hino. Aprontei o bico e soprei os sons de Santo, Santo, Santo, Deus onipotente.
De repente, percebi que o rapazinho estava assobiando comigo. Parei e olhei para ele, mas ele
continuou a assobiar sozinho. O índio sabia o hino todo e assobiou-o com um riso maroto no
canto da boca, enquanto eu arregalava os olhos.
— Mas como? Quem já tinha pregado o evangelho pra eles? Onde é que eles aprenderam
Santo, Santo, Santo? — perguntei curiosíssimo.
— Há uma tribo chamada uai-uai. Eles são das matas venezuelanas. Lá nas florestas onde
viviam, chegaram uns missionários e falaram sobre o evangelho com eles. A tribo inteira se
tornou cristã e eles decidiram que seriam os porta-vozes de Deus na floresta. Eles estão
percorrendo as matas pregando para outros índios — informou-me Desmundo, enquanto eu
quase não acreditava na beleza daquilo que ouvia.
— E a conversão dos yscarianas, como aconteceu? — indaguei com profunda ansiedade.
— Os uai-uai chegaram aqui perto, abriram uma clareira, acamparam e mandaram uma
comitiva até aqui. “Mandem alguns homens porque temos boas novas para vocês”, eles
mandaram dizer. Então, os yscarianas mandaram uma comitiva. Liderando o grupo foi o
feiticeiro da tribo, o sacerdote, o pajé. O nome dele é Araca. Lembra do homem de cabelo cortado
redondo em forma de cuia? Aquele que eu apresentei a você em primeiro lugar? Ele é o Araca.
Eles foram até lá e se sentaram com os líderes dos uai-uai. Ouviram sobre a visita do Filho de
Deus ao mundo. Disseram não saber que KorinKumam tinha um filho. Mas os uai-uai disseram
que Jesus era o filho de KorinKumam. Ouviram várias histórias de milagres do evangelho, todas guardadas na memória dos uai-uai. Eles voltaram para casa e reuniram a tribo toda. Araca disse
que daquele dia em diante ele só faria orações a Jesus, o filho de KurinKumam. Muitos fizeram a
mesma coisa e a maioria da tribo se tornou cristã. Foi assim que tudo aconteceu — contou
Desmundo com um olhar puro, limpo, cheio de amor, o que fazia seus olhos crescerem enquanto
falava.
— Mas e você e sua esposa? Qual foi o papel que vocês tiveram nisso tudo? — perguntei,
querendo saber no que consistia a vida e a missão deles no lugar.
— Bem, eu não sou pastor e nem pregador. Sou antropólogo e lingüista. Mas, antes de tudo,
eu sou cristão. Minha missão aqui foi aprender a língua deles, criar um alfabeto e ensiná-los a ler.
Fiquei quase sete anos fazendo isso. Enquanto esse trabalho era feito, eu traduzia trechos da Bíblia para eles. Com a ajuda de Araca, traduzi o evangelho de Marcos, que é bem simples, o evangelho de João, as cartas de São Paulo aos Romanos e a Timóteo, e as epístolas de São Pedro.
Eu dou o texto a eles e deixo que decidam que tipo de cristãos querem ser. Não estou tentando impor nada — ele me disse com muita certeza de seus objetivos naquele particular.
— E que tipo de cristãos eles se tornaram? — indaguei com ansiedade e doido para ouvir alguma coisa que reforçasse as minhas teses sobre o obsoletismo das formas de culto e prática da
Igreja atual, pois estava convicto de que muito do que a igreja pratica hoje não tem nada a ver com
a Bíblia. São apenas tradições, feitas sagradas. Só isso. — Mas sim, em que tipo de crentes eles se tornaram? — insisti.
— Cristãos primitivos, quase como os do Novo Testamento. Só que são mais puros, pois nunca foram judeus — disse brincando.
— Como assim? Na prática, como é isso? Por exemplo, como é que eles batizam, a quem eles batizam e como é que eles dirigem a igreja? Eles têm pastor? Qual é a hierarquia que eles
têm, se é que têm alguma? E os líderes da tribo? São os mesmos da igreja? Há separação de
casais? E a vida sexual? Um homem pode ter mais de uma mulher? E os espíritos, eles ainda têm
algum vínculo com eles? — foram todas as questões que eu despejei sobre ele, excitado de tanta
curiosidade.
— Eles batizam dos dois modos: tanto por aspersão, jogando a água na cabeça, como fazem os católicos, anglicanos e presbiterianos; como também batizam por imersão, mergulhando a pessoa no rio Nhamundá. Depende do tempo. Quanto está frio, vai de um jeito, quando está quente, vai do outro. Eles batizam os que se convertem. Mas às vezes, quando os pais pedem, eles também batizam crianças. Eles também têm pastores; são oito. O Araca é o líder maior, mas eles decidem tudo juntos. Quanto a casamento, não há separação aqui. Quando um homem não quer mais  a sua mulher, ele não a deixa. Apenas não toca mais nela, mas cuida dela. Quem já tinha mais   de uma mulher quando se converteu, manteve todas. Os que estão se casando agora, depois que se tornaram cristãos, estão sendo aconselhados a ter uma só. Mas quem quer, pode ter mais de
uma, só não pode é ser líder da igreja. Os pastores têm que ser maridos de uma só mulher, como eles leram na carta de São Paulo. Mas não pode haver adultério. Se um homem quer ter outra mulher, não deve nunca ser uma já casada. Tem que ser solteira, e a esposa dele tem que consentir.
Eu fiquei perplexo com tudo aquilo. De fato, jamais pensara que na vida eu fosse ser  apresentado a um quadro tão fantasticamente original quanto aquele.
— Mas e você, Desmundo, você não tenta passar para eles coisas que você pratica e crê? — perguntei, achando quase impossível que pudesse ser diferente.
— Não. Eu não digo nada, a menos que me perguntem. Mas quando eles me perguntam algo, eu sempre respondo que aquilo é apenas a minha opinião — afirmou.
— Mas e se você vê na Bíblia um mandamento claro a respeito daquilo? O que você diz? Você diz o que consta na Bíblia? — questionei com a decisão de quem estava acostumado a dizer como
as pessoas deviam viver.
— Não, eu não os mando fazer nada, mesmo quando tenho opiniões bem claras sobre o assunto. Eu apenas mostro o que está escrito na Bíblia e digo para eles irem pensar e orar juntos.
Às vezes eles voltam com a mesma opinião que eu tenho. Outras vezes, não — concluiu com um
certo orgulho de seu método cientificamente tão “isento e democrático”.
— Mas Desmundo, por que é que você faz assim? Se você sabe a verdade, você tem que
passar para eles! — falei um pouco impaciente.
— Mas o que é a verdade? O que eu vejo como verdade, outro pode ver de modo diferente.
Uma coisa que eu aprendi nos estudos, mas muito mais no convívio com os índios, é como eu
estou completamente condicionado a ver a vida como inglês. Por mais que eu queira ser isento na
minha leitura da Bíblia, eu não consigo. Eu sempre leio a Bíblia com o olhar de minha família, criação e cultura nacional e religiosa. Então, como eu vou saber se eu estou lendo de fato a Bíblia ou apenas vendo coisas com meus olhos europeus? — falou, dando-me de graça uma fantástica
aula de antropologia missionária.

Pensemos mais seriamente sobre nossa missão na terra.

Alzira Sterque

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