"Mas o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio. Contra tais coisas não existe lei” (Gálatas 5:22,23).
Talvez possamos dividir estes noves preciosos dons em três grupos, perfazendo três frutos e cada grupo. Se este for o correto — de forma alguma tem-se certeza! —, o primeiro grupo estaria referindo-se às qualidades espirituais mais básicas: amor, alegria, paz. O segundo grupo indicaria aquelas virtudes que se manifestam nas relações sociais. Pressupomos que considera os crentes em seus diversos contatos uns com os outros e com aqueles que não pertencem à comunidade cristã: longanimidade, benignidade, bondade. No último grupo, se bem que aqui há bastante espaço para divergência de opinião, o primeiro fruto poderia referir-se à relação dos crentes com Deus e sua vontade revelada na Bíblia: fidelidade ou lealdade. O segundo, presume-se, teria a ver com seu contato com os homens: mansidão. O último, à relação que cada crente tem consigo mesmo, ou seja, com seus próprios desejos e paixões: domínio próprio.
Encabeçando o primeiro grupo temos “o maior dos três maiores”, ou seja, o amor (1 Coríntios 13; Efésios 5:2; Colossenses 3:14). Para esta virtude, ver 5:6 e 5:13, acima. Não somente Paulo, mas também João estabelece prioridade a esta graça de abnegação (1 João 3:14; 4:8,19). E igualmente Pedro (1 Pedro 4:8). E assim eles estão seguindo o claro exemplo que lhes deu Cristo (João 13:1,34; 17:26). Apesar de que, assim como estas passagens o revelam, dificilmente seria legítimo limitar estritamente esta virtude tão básica ao “amor pelos irmãos”, todavia, por outro lado, no presente contexto (que fala de contendas, disputas e ciúmes, etc., ver também v.14) a referência pode muito bem ser especialmente a este afeto mútuo. Quando o amor se faz presente, a alegria não pode estar muito longe. Não nos disse o autor que o amor é o cumprimento da lei, e que fazer o que a lei de Deus manda traz deleite? (Salmos 119:16,24,35,47,70,174). Além disso, a verdade desta afirmação torna-se ainda mais clara quando se tem em mente que a capacidade para observar esta ordenança divina é um dom de Deus, sendo um elemento daquela maravilhosa salvação que em seu grande amor concedeu gratuitamente a seus filhos. Além disso, já que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus (Romanos 8:28), faz-se evidente que os crentes podem alegrar-se mesmo diante de circunstâncias as mais dolorosas, assim como Paulo mesmo comprovou muitas vezes (Atos 27:35; 2 Coríntios 6:10 “entristecidos, mas sempre alegres”; 12:9; Filipenses 1:12,12; 4:11; 2 Timóteo 4:6-8). Além do mais, sua alegria não é a deste mundo, que é uma diversão superficial e que fracassa em satisfazer as necessidades mais profundas da alma, mas a de Deus é uma “alegria indizível cheia de glória” (1 Pedro 1:8), e um antecipação da alegria radiante que está reservada para os seguidores de Cristo. A paz também é um resultado natural do exercício do amor, pois “grande paz têm os que amam a tua lei” (Salmos 119:165; cf. 29:11 ; 37:11; 85:8). Esta paz é a serenidade de coração, a porção de todos quantos, tendo sido justificados mediante a fé (Romanos 5:1), aspiram ser instrumentos nas mãos de Deus para fazerem que outros também possam compartilhar desta tranqüilidade. Portanto, o possuidor da paz torna-se também um promotor da paz (Mateus 5:9). Portanto, aquele que está realmente consciente desta grandiosa dádiva da paz, a qual recebeu de Deus como resultado da amarga morte de Cristo na cruz, envidará todo esforço para “preservar — dentro da comunidade cristã — a unidade do Espírito no vínculo da paz” (Efésios 4:3).
A menção da paz é, por assim dizer, um liame natural entre o primeiro e o segundo grupo, porquanto esta virtude é com freqüência contrastada com as contendas entre os homens, e porque este segundo grupo descreve aquelas virtudes que os crentes revelam em seus contatos entre si e com os demais homens. O primeiro dos frutos do Espírito mencionados neste segundo grupo é a longanimidade. Ela caracteriza a pessoa que, em relação àqueles que a aborrecem, se lhe opõem ou a molestam, exerce a paciência. Ela se recusa a entregar-se à paixão ou às explosões de ira. A longanimidade ou paciência não é apenas um atributo humano, mas também divino, visto que o mesmo é atribuído a Deus (Romanos 2:4; 9:22) e a Cristo (1 Timóteo 1:16), bem como ao homem (2 Coríntios 6:6; Efésios 4:2; Colossenses 3:12,13; 2 Timóteo 4:2). Como atributo humano, é inspirado pela confiança de que Deus cumprirá suas promessas (2 Timóteo 4:2,8; Hebreus 6:12). Os gálatas necessitavam muitíssimo de que se pusesse ênfase nesta virtude, já que eles, como já vimos, provavelmente estavam se dividindo pelas contendas e por um espírito partidário. Por outro lado, a longanimidade é uma grande arma contra a hostilidade do mundo em sua atitude para com a igreja. De mãos dadas com essa virtude está a benignidade. Esta é suave e terna. Os primeiros cristãos se recomendavam por meio dela (2 Coríntios 6:6). Este fruto, tal como exercido pelos crentes, nada mais é do que um pálido reflexo da benignidade primordial manifestada por Deus (Romanos 2:4; cf. 11:22). Além disso, somos admoestados a tornar-nos como Ele neste aspecto (Mateus 5:43-48; Lucas 6:27-38). Os Evangelhos contêm numerosas ilustrações da benignidade que Cristo demonstrou para com os pecadores. Para mencionar apenas algumas, ver Marcos 10:13-16; Lucas 7:11-17, 36-50; 8:40-56; 13:10-117; 18:15-17; 23:34; João 8:1-11; 19:25-27. A virtude que completa este grupo é a bondade, que é a excelência moral e espiritual, em todos os aspectos, criada pelo Espírito. No presente contexto, visto que é mencionada depois da benignidade, se refere especialmente à generosidade de coração e de ações.
Finalmente, o apóstolo menciona as três graças que concluem todo o sumário. Primeiro está a fidelidade. O termo como usado no original com freqüência se traduz corretamente pela palavra fé. Todavia, uma vez que aqui aparece depois de “benignidade” e “bondade”, parece ser mais correto traduzir-se por “fidelidade”. O seu significado é lealdade, fidelidade. Uma vez que nesta mesma carta Paulo se queixa da falta de fidelidade para com ele, o que foi demonstrado através da conduta de muitos dos gálatas (4:16), percebemos que a menção desta virtude, aqui, é algo bastante apropriado. Contudo, em última análise não era tanto para com o próprio Paulo que havia falta de lealdade, e, sim, para com o evangelho — e, assim, para com Desu e sua Palavra —, e tinha estado faltando em proporção elevada, como fica evidenciado por 1:6-9; 3:1; 5:7. Conseqüentemente, com toda probabilidade o que Paulo está recomendando aqui, como um fruto do Espírito, é a fidelidade a Deus e à sua vontade. Contudo, isto não exclui, antes inclui, a lealdade para com os homens. Parece-nos apropriado interpretar aqui o próximo item, ou seja, a mansidão, como sendo a gentileza uns para com os outros e para com todos os homens, principalmente se levarmos em consideração o contexto precedente, o qual fala das dissensões em suas várias manifestações (ver vv. 20 e 21). Cf. 1 Coríntios 4:21. Esta virtude também nos faz lembrar de Cristo (Mateus 11:29; e 2 Coríntios 10:1). A mansidão é o oposto extremo da veemência, da violência e da agressividade ou explosões de ira. A última virtude que Paulo menciona, e por implicação recomenda, é o domínio próprio, que é uma relação que alguém mantém consigo mesmo. A pessoa que tem a bênção de possuir esta qualidade, possui “o poder de conter-se a si mesma”, que é o sentido do termo usado no original. O fato de terem sido mencionadas previamente, entre os vícios enumerados (v. 19), a imoralidade, a impureza e a indecência, revela que era apropriado mencionar o domínio próprio como a virtude oposta. Fica claro que aqui temos referência a muito mais coisas que simplesmente a sexo. Aqueles que realmente exercem esta virtude levam todo o pensamento à submissão e obediência a Cristo (2 Coríntios 10:5).
E prossegue: contra tais coisas não existe lei. Uma vez que Paulo aqui completou uma lista de virtudes, que são coisas, não pessoas, é natural interpretar suas palavras como significando: “contra tais coisas — tais virtudes — não existe lei”. A gramática não proíbe tal construção. Também é óbvio que, à semelhança dos vícios enumerados, esta lista de virtude é apenas representativa. Não podemos mesmo afirmar que todas as excelências cristãs estão incluídas na lista. Portanto, Paulo diz: “contra tais... Ao dizer que contra tais coisas não existe lei, ele está encorajando a cada crente a manifestar estas qualidades, a fim de que, assim procedendo, os vícios possam ser aniquilados”.
O incentivo de que precisamos para exibir estes excelentes traços do caráter foi fornecido por Cristo, pois é devido à gratidão que os crentes sentem para com Cristo que os usam para adornar sua conduta. O exemplo, também, em conexão com todos eles, foi dado por ele. E as próprias virtudes, associadas ao poder para exercê-las, são doadas pelo seu Espírito.
Embora Paulo tenha qualificado as virtudes enumeradas de “o fruto do Espírito”, agora ele desvia a ênfase do Espírito para Cristo. Se ele pôde fazer isso tão prontamente, é devido ao fato de que quando o Espírito ocupa o coração, Cristo também o faz (Efésios 3:16,17). Cristo e o Espírito não podem ser separados entre si. Cristo mesmo habita a vida interior dos crentes “no Espírito” (Romanos 8:9,10). O Espírito não foi dado por Cristo? (João 15:26; 2 Coríntios 3:17). A razão para esta mudança de ênfase é que o apóstolo lembrará os gálatas de que eles crucificaram a carne. Isso, naturalmente, chama a atenção imediatamente para Cristo e sua cruz. E assim Paulo prossegue [...]
FONTE: w.monergismo.com/textos/frutos/fruto_espirito_hendriksen.htm">O Fruto do Espírito - William Hendriksen
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